Mayte Gorrostorrazo
Leticia Lorier
A revista Pontis - Práticas de Tradução é um projeto selecionado na categoria Revistas Especializadas em Cultura do Fundo Concursável para a Cultura, da Direção Nacional de Cultura (MEC), em sua convocatória 2015. Trata-se de uma revista digital bilíngue espanhol-português para a divulgação da literatura uruguaia no Brasil e da literatura brasileira no Uruguai, a partir da tradução de textos de autores selecionados de ambos os países. Pretende, além disso, constituir-se em um espaço de debate sobre o fazer tradutório literário em âmbitos não necessariamente acadêmicos e de formação de jovens tradutores uruguaios.
Origens
A ideia deste projeto surge da inquietude de docentes, formados e estudantes do curso de Tradução Pública da Universidad de la República por incursionar na tradução literária, já que o mencionado curso restringe seu alcance ao âmbito jurídico.
O projeto responde também à necessidade de criar um espaço propício para a formação de jovens tradutores uruguaios na área da tradução literária e de gerar intercâmbios com outros estudantes e docentes do Brasil. Nesse sentido, contamos com o apoio e a colaboração de docentes da Universidad de la República (faculdades de Direito, Informação e Comunicação, Humanidades e Ciências da Educação) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Instituto de Letras), entre eles alguns professores e pesquisadores de renomado prestígio internacional.
Bases e objetivos
De acordo com Rocca (2012), no início do século XX, ocorre certa floração de traduções de obras brasileiras no Rio da Prata; foram algumas obras de Machado de Assis que deram origem às primeiras traduções. Em 1902 surge a primeira tradução mundial de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1885), no folhetim do jornal La Razón, realizada pelo jornalista e tradutor uruguaio Julio Piquet. Dois anos mais tarde, a Biblioteca de La Nación publica a tradução de Esaú y Jacob (1904).
Apesar desse primeiro grande passo, as traduções uruguaias de textos literários brasileiros não mantiveram o mesmo florescimento até os nossos dias. Para observar este fenômeno, basta passar pelas livrarias da capital uruguaia e observar os principais títulos expostos nas vitrines — quase nenhum referente à tradução de obras brasileiras.
Assumindo a postura de Candido (1975-2000), concebemos a literatura como o conjunto de obras literárias relacionadas por elementos em comum em determinada cultura, respondendo a uma organização que pode ser entendida
Notas
1Trabalho apresentado pelas autoras, sob o título “Transposições literárias entre o Uruguai e o Brasil. A proposta da revista Pontis - Práticas de Tradução”, nas Jornadas Acadêmicas da Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação da Universidad de la República em 2015.
como um sistema no qual se vinculam produtores literários, leitores e mecanismos de transmissão, e conformando uma tradição que impõe certos padrões de pensamento e comportamento que funcionam como referências. Além disso, não se trata de um sistema fechado, mas sim de uma estrutura aberta que mantém vínculos com outros fenômenos, estrutura que a Teoria dos Polissistemas desenvolvida por Even-Zohar denomina redes de relações (EVEN-ZOHAR, 1990). Nesse sentido, o mercado editorial desempenha um papel crucial para a circulação de textos e traduções literárias, dado que é onde entra em jogo a seleção de quais obras serão publicadas.
Segundo Guedes (2013), atualmente, apesar de os países de fala hispânica serem um dos principais mercados nos quais circulam as traduções feitas do português, de acordo com o índice de obras traduzidas da Unesco (Index Translationum), o português ocupa o décimo oitavo lugar dentro das línguas das quais se traduz; por outro lado, no ranking de línguas de destino, o português ocupa o oitavo lugar, o que indica que se traduz muito mais de outras línguas ao português do que o contrário. Além disso, o português ocupa a oitava posição dentre as dez principais línguas traduzidas ao espanhol, e, dentre as traduções para a Espanha, desce para o décimo lugar. Podemos afirmar, então, que a baixa circulação de traduções de textos brasileiros não é uma particularidade do Uruguai, mas de todo o mercado hispanófono.
Acreditamos que os dados explicitam a escassa penetração de traduções de obras brasileiras no sistema literário uruguaio. Conforme Guedes (ibidem), a mesma situação ocorre em toda a América Hispânica: não é possível afirmar que as obras literárias brasileiras façam parte desse sistema, pois não são comungados modelos ou regras de repertório e é pouco frequente que os leitores hispano-americanos de obras brasileiras reconheçam as mencionadas obras como parte de seu repertório cultural (EVEN-ZOHAR, 2010 e VILA, 2012, em GUEDES, 2013).
Nas últimas décadas, com exceção de traduções empreendidas por algumas destacadas personalidades do cenário literário uruguaio — entre elas, Pablo Rocca, Heber Raviolo, José María Obaldía, María Esther Gili — ou encomendadas por algumas editoras locais — como Ediciones de la Banda Oriental —, as traduções uruguaias de obras literárias brasileiras vêm sendo de escassa circulação, especialmente se pensarmos na imensa produção literária do país vizinho. Em contrapartida, apesar de não contarmos com dados específicos, é possível conjecturar que a mesma situação ocorra no caso de traduções uruguaias de textos de autores nacionais ao português.
Ao não existir uma forte tradição de circulação de obras literárias brasileiras no mercado editorial uruguaio, é provável que este também não fomente as traduções nacionais. Este cenário, exemplo do pouco que se traduz do português como língua-fonte e de que, segundo Guedes (ibidem), dentre essas traduções a maioria é realizada na Espanha, constitui uma das razões que impulsionaram a criação de Pontis.
Desta forma, a revista busca gerar a circulação alternativa de traduções de obras literárias uruguaias e brasileiras, visto que não estará regida pelas normas e restrições que em geral regem a produção e a recepção das traduções no mercado editorial. Além disso, diante da falta de espaços ou publicações uruguaias destinados exclusivamente à discussão sobre os estudos da tradução literária e à divulgação de traduções inéditas de textos locais, Pontis pode tornar-se um âmbito próprio para fomentar o mencionado debate e desempenhar um importante papel na ocupação de áreas lacunares referentes a autores, gêneros e temas (WILSON, 2004), ou seja, pode constituir uma possibilidade de ampliação ou modificação das relações entre autores-obras-públicos próprias dos diferentes sistemas literários uruguaio e brasileiro (CANDIDO, 1975-2000). Por tais razões, um dos
objetivos deste projeto é aumentar o fluxo de traduções, feitas por tradutores locais, de textos literários brasileiros e uruguaios, seu alcance e circulação; bem como incorporar, ao número de traduções já produzidas, autores ou obras inéditas em relação a sua tradução. Assim, Pontis não se restringirá à tradução de literatura canônica, mas também buscará contribuir na introdução de novos autores e obras no repertório literário.
Dispositivo de funcionamento e apresentação da estrutura da revista
A revista Pontis - Práticas de Tradução é uma publicação de caráter totalmente digital, o que dá maior celeridade a sua divulgação, além de um evidente aproveitamento de recursos.
Propõe-se a publicação de seis números, de carácter bimestral, no transcurso de doze meses, especificamente em fevereiro/março, abril/maio, junho/julho, agosto/setembro, outubro/novembro e dezembro de 2016. Cada número é dedicado a textos de um autor, uruguaio ou brasileiro. As obras a serem traduzidas cumprirão com a condição de serem de domínio público ou cedidas explicitamente por seus autores.
No que concerne à prática de tradução, adota-se o seguinte procedimento: em uma primeira instância, os tradutores uruguaios se reúnem e selecionam o autor e os textos de cada número, por cujas traduções serão responsáveis, para sua posterior distribuição. Realizadas as traduções, o grupo marca uma reunião para análise e discussão de cada uma das propostas. Finalizadas as primeiras modificações, as traduções são enviadas aos pares do Núcleo de Estudos de Tradução da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para intercambiar comentários em âmbito virtual. Somente despois dessa segunda instância, publicam-se as propostas de tradução na revista.
As traduções são assinadas pelos tradutores responsáveis, com a devida menção, em cada número, aos nomes de todos aqueles que tiverem contribuído na revisão das traduções.
Esta maneira de proceder permitirá o intercâmbio de opiniões e práticas de tradução entre estudantes da área e recém-formados de ambos os países, ao mesmo tempo em que funcionará como um âmbito de formação em tradução literária para aqueles que não contam com esta opção em seu curso universitário de graduação.
A revista conta com outras duas seções, além da destinada à publicação do texto em sua língua original e suas correspondentes traduções: uma dedicada à área literária, na qual são fornecidas informações sobre o autor tratado no volume e características gerais de sua obra; e outra, ao fazer do tradutor, na qual são publicados artigos referentes à atividade tradutória, especificamente a literária. Ambas as seções estão a cargo de prestigiosos pesquisadores e professores universitários das áreas de Literatura e Tradução, tanto uruguaios como brasileiros.
A revista circula em universidades que contem com cursos de Tradução Espanhol-Português, institutos de formação docente, institutos de ensino de línguas, embaixadas e outras instituições vinculadas ao ensino de línguas e literatura e à difusão cultural. Difunde-se também a meios de comunicação possuidores de seções culturais.
A revista é bilíngue; portanto, todas as seções são apresentadas em espanhol e em português, e cada número está estruturado da seguinte forma:
● Índice em espanhol e em português dos conteúdos.
● Apresentação do número.
● Seção “O fazer do tradutor”.
● Seção “Apresentação do autor”.
● Textos originais e traduzidos (a tradução proposta é publicada no site de Pontis ao lado do texto original, com a intenção de facilitar a análise e o debate propostos pela revista).
Ao estar alojada em uma página web especialmente desenvolvida para este projeto, a revista tem também conteúdos interativos e multimídia:
● “Comentários”: espaço aberto destinado a observações acerca das traduções propostas, tanto por parte dos tradutores como dos leitores, o que estimulará o intercâmbio e a aprendizagem.
● “Áudios”: em cada número se disponibilizam arquivos de áudio com os textos dos autores selecionados. Para tanto, são feitas gravações da leitura dos textos em espanhol e em português.
Além de enriquecer a revista com um novo meio (o sonoro), os áudios possibilitam o acesso de pessoas de visão reduzida aos textos originais e a suas correspondentes traduções. Além desses conteúdos alojados na própria página web, Pontis tem um boletim de notícias que é enviado a todos os contatos com cada novo número da revista.
Os usuários podem comentar, compartilhar e fazer o download da publicação em formato .pdf, o que permite ampliar o acesso aos documentos e o impacto de sua difusão.
O site está formatado para que possa ser visualizado em diferentes dispositivos. Além disso, ao ser
bilíngue, reconhece o idioma do sistema do usuário e carrega a interface correspondente (em português ou espanhol).
Planejamento das atividades públicas
Paralelamente à publicação dos diferentes números da revista, serão realizados três tipos de atividades públicas: lançamento, apresentação da revista e oficinas de tradução, que somam um total de cinco atividades a serem desenvolvidas nas cidades de Minas e Rivera, e nos bairros Cerro e Centro da cidade de Montevidéu. Maiores informações a respeito das atividades estarão disponíveis no site de Pontis.
CANDIDO, Antonio. A formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda, 1975-2000.
EVEN-ZOHAR, Itamar. «Polysystem Studies», en Poetics Today. 1990, 11; 1. Disponível em: http://www.tau.ac.il/~itamarez/works/books/ez-pss1990.pdf
GUEDES, Luciana. «Literatura brasileira em tradução: a trajetória de livros brasileiros traduzidos ao castelhano». Disponível em: http://www.gelbc.com.br/pdf_anais_forum_estudantes/luciana_guedes_2013.pdf
ROCCA, Pablo. Un experimento llamado Brasil y otros estudios. Montevidéu: Ediciones de la Banda Oriental, 2012.
WILSON, Patricia. La constelación del sur. Traducciones en la literatura argentina del siglo XX. Buenos Aires: Siglo XXI, 2004.