Quando criança, houve uma longa temporada durante a qual sofri de um intenso medo de fantasmas. Embora, se tivesse topado c...
Quando criança, houve uma longa temporada durante a qual sofri de um intenso medo de fantasmas. Embora, se tivesse topado com algum, provavelmente não teria me dado conta; os fantasmas que eu temia eram os das brincadeiras e dos quadrinhos, esses lençóis com dois buraquinhos para os olhos. Concretamente, temia, sobretudo à noite, que me aparecesse de pronto um vulto branco e me desse um susto. Tinha certeza de que não poderia resistir a algo assim, de modo que jamais me perguntei o que viria depois; minha imaginação chegava somente até o susto, provavelmente uma voz que diria “Buuuuu!”. Se os fantasmas abrigavam outros propósitos, eu ignorava, e não me perguntava, e nem as brincadeiras nem os quadrinhos informavam nada a respeito.
Às vezes acordava de madrugada e na penumbra via vultos suspeitos, que com a primeira claridade do sol, haveriam de revelar-se como roupas amontoadas sobre uma cadeira, mas enquanto isso me mantinham acordado, suspeitando, fingindo, com os olhos entreabertos, que seguia dormindo — porque se aquele vulto fosse realmente um fantasma, e visse que eu me mexia ou abria os olhos ou mudava a respiração, zás, ninguém me salvaria do susto —. Então repartia o susto em suaves parcelas de apreensão, muito melhor toleráveis, até que aparecia a claridade do dia. Ou isso acreditava eu, porque certamente parte de minha vigília era sonho, desses sonhos que repetem os temas da vigília e não permitem descansar.
Cuando niño, hubo una larga temporada durante la cual padecí de un miedo intenso a los fantasmas. Aunque si me hubiera topado con alguno, probablemente no me habría dado cuenta; los fantasmas a los que yo temía eran los de los chistes y las historietas, esas sábanas con dos agujeritos para los ojos. Concretamente, temía, sobre todo por las noches, que se me apareciera de pronto un bulto blanco y me diera un susto. Estaba seguro de que no podría resistir algo así, de modo que jamás me pregunté qué vendría después; mi imaginación llegaba solo hasta el susto, probablemente una voz que dijera «¡Buuuuu!». Si los fantasmas abrigaban otros propósitos, yo lo ignoraba, y no me lo preguntaba, y ni los chistes ni las historietas informaban nada al respecto.
A veces me despertaba de madrugada y en la penumbra veía bultos sospechosos, que con la primera claridad del sol habrían de revelarse como ropas amontonadas sobre una silla, pero que mientras tanto me mantenían despierto, sospechando, fingiendo con los ojos entornados que seguía durmiendo —porque si ese bulto era realmente un fantasma, y veía que yo me movía o abría los ojos o cambiaba la respiración, zas, nadie me salvaba del susto—. Entonces repartía el susto en cómodas cuotas de aprensión, mucho mejor tolerables, hasta que aparecía la claridad del día. O eso creía yo, porque seguramente parte de mi vigilia era sueño, de esos sueños que repiten los temas de la vigilia y no permiten descansar.
Já um pouco maiorzinho, encontrei talvez uma forma de exorcizar esse medo, que já não sentia, mas que seguramente ali estava, velado. O recurso foi materializar o fantasma em uma fotografia. O truque, que alguém me explicou ou que li em alguma revista, consistia em uma dupla exposição: se tira uma foto de uma pessoa com cara de terror, não se deixa correr o filme e se volta a tirar a mesma foto, mas agora com alguém disfarçado de fantasma posicionado diante do protagonista, em uma pose ameaçadora. O fantasma receberia a metade da exposição, e portanto pareceria transparente. O projeto me fascinou e de imediato quis realizá-lo, para tanto, tive que convencer, com muitíssimo trabalho, as únicas atrizes possíveis que tinha à mão naquele momento: minha mãe e minha avó. Minha mãe e minha avó resistiram tenazmente; em especial minha mãe, já que minha avó era capaz de qualquer coisa para me ver contente.
O problema maior eram os vizinhos. A foto, por um tremendo erro de concepção de toda minha operação, devia ser tirada no terraço, onde havia luz natural; a câmera caixote que eu tinha não servia para interiores. Nosso terraço, que ao mesmo tempo era a açoteia dos pisos de baixo, estava exposta aos olhos de quem quisesse curiar qualquer uma das inúmeras janelinhas que se viam por cima de nossas cabeças, de um lado e do outro; havia grandes possibilidades de que qualquer ação nossa fosse observada, e minha mãe era altamente sensível ao ridículo. Resistiu, pois, tenazmente, e somente minha própria tenacidade pôde derrotá-la. Mas foi uma vitória de Pirro, porque minha mãe colaborou de má vontade, e isso na fotografia se nota.
Ya un poco mayorcito, encontré tal vez una forma de exorcizar a ese miedo, que ya no sentía pero que seguramente allí estaba, solapado. El recurso fue materializar al fantasma en una fotografía. El truco, que alguien me explicó o que leí en alguna revista, consistía en una doble exposición: se saca una foto de una persona con cara de terror, no se hace correr el rollo y se vuelve a sacar la misma foto, pero ahora con alguien disfrazado de fantasma ubicado frente al protagonista, en una pose amenazante. El fantasma recibiría la mitad exposición, y por lo tanto se vería transparente. El proyecto me fascinó, y de inmediato quise realizarlo, para lo cual tuve que convencer, con muchísimo trabajo, a los únicos actores posibles que en ese momento tenía a mano: mi madre y mi abuela. Mi madre y mi abuela se resistieron tenazmente; en especial mi madre, ya que mi abuela era capaz de cualquier cosa con tal de verme contento.
El problema más grande eran los vecinos. La foto, por un tremendo error de concepción de todo mi operativo, debía sacarse en la terraza, donde había luz natural; la cámara de cajón que yo tenía no servía para interiores. Nuestra terraza, que al mismo tiempo era azotea de los pisos de abajo, estaba expuesta a las miradas de quien quisiera asomarse a cualquiera de las innumerables ventanitas que se veían por encima de nuestras cabezas, de un lado y de otro; había grandes probabilidades de que cualquier acción nuestra fuera observada, y mi madre era altamente sensible al ridículo. Se resistió, pues, tenazmente, y solo mi tenacidad pudo derrotarla. Pero fue una victoria a lo Pirro, porque mi madre colaboró de mala gana, y eso en la fotografía se nota.
Depois de firmar bem a câmera, tirei com muito cuidado a primeira foto, tive também muito cuidado de não correr o filme, e fiz entrar a minha avó no quadro. Minha avó havia jogado um lençol por cima, mas como resistiu em fazer dois buracos para os olhos, e não queria andar tateando, fez com que o lençol se abrisse na altura da cabeça e por ali olhava. Mais que um fantasma parecia alguém que tivesse tentado se vestir de árabe para um baile caseiro de fantasia. Com as mãos sustentava as bordas do lençol, para que não tornasse a fechar, tapando-lhe os olhos, e pôs-se de pé na frente da minha mãe, que seguia esperando sentada na cadeira, resmungando um xingamento atrás do outro. Me deu muito trabalho controlar ali da câmera, sem movê-la, que minha avó permanecesse efetivamente dentro do quadro; eu ia e vinha, entre minha avó e a câmera, ajeitando-a uns centímetros mais para este lado ou mais para este outro, e em nenhum momento prestei atenção ao fato de que, com sua baixa estatura, ligeiramente encurvada, com essas mãos agarradas nas bordas do lençol, resultava uma figura mais patética que terrificante; quando a foto foi revelada, se viu claramente que não evocava um fantasma, nem de longe: aparecia como uma figura especialmente lastimável, algo como uma leprosa medieval, ou uma dessas mendigas da Índia; se tudo tivesse acontecido mais próximo desses dias, poderia ter se pensado em uma imitação de Madre Teresa de Calcutá. Depois apertei o disparador pela segunda vez e autorizei que se mexessem, coisa que fizeram a toda velocidade para desaparecer do terraço em um instante. Nunca soube se houve vizinhos curiando a cena, mas é quase certo que sim.
Después de afirmar bien la cámara tomé con mucho cuidado la primera foto, tuve también mucho cuidado de no correr el rollo, e hice entrar a mi abuela en el cuadro. Mi abuela se había echado una sábana por encima, pero como se había resistido a hacerle dos agujeros para los ojos, y no quería andar a tientas, hizo que la sábana se abriera a la altura de la cabeza y por allí miraba. Más que un fantasma parecía alguien que hubiera intentado vestirse de árabe para un baile casero de disfraz. Con las manos sostenía los bordes de la sábana, para que no se volviera a cerrar tapándole los ojos, y se puso de pie frente a mi madre, que seguía esperando sentada en la silla, mascullando una puteada tras otra. Me dio mucho trabajo controlar desde la cámara, sin moverla, que mi abuela quedara efectivamente dentro del cuadro; yo iba y venía, entre mi abuela y la cámara, acomodando a mi abuela unos centímetros más para este lado o para este otro, y en ningún presté atención al hecho de que, con su escasa estatura, ligeramente encorvada, con esas manos aferradas a los bordes de la sábana, resultaba una figura más patética que terrorífica; cuando la foto estuvo revelada, se vio claramente que no evocaba a un fantasma en lo más mínimo: aparecía como una figura especialmente lastimosa, algo como un leproso medieval, o uno de esos mendigos de la India; si todo hubiera transcurrido más cerca de estos días, podría haberse pensado en una imitación de la Madre Teresa de Calcuta. Después apreté el disparador por segunda vez y las autoricé a moverse, cosa que hicieron a toda velocidad para desaparecer de la terraza en un instante. Nunca supe si hubo vecinos mirando la escena, pero es casi seguro que sí.
E depois, como sempre, veio a desilusão — após vários dias de espera, já que tinha que terminar o filme com outras fotos e mandar revelar, o que não se fazia de uma hora para outra; tudo demorava —. Agora faz muito tempo que não vejo a foto; é possível que tenha se perdido, mas durante muitos anos me serviu de terapia; poucas coisas no mundo foram tão eficazes durante tanto tempo para me fazer soltar uma risada abundante e perversa.
Claro, se alguém quisesse que o fantasma de fato parecesse transparente, a exposição devia ser a metade da que se necessitava, e não a metade da dupla exposição que eu fiz. Quer dizer, eu fiz uma foto comum, ao sol. Devia fazê-la em interiores, em uma penumbra muito calculada para que saísse como deveria sair, quer dizer, como a foto de um fantasma. Mas o pior de tudo era a encenação, a cadeira, a expressão da minha mãe, as plantas de fundo, a atitude entre humilde e benévola de minha avó, que a última coisa que parecia expressar era uma vontade de assustar a sua vítima. A qualquer pessoa que olhe essa foto e não conheça a história, a intenção exata do fotógrafo deve resultar absolutamente impossível de compreender.
Tradução de Naylane Matos.
Y después, como siempre, vino la desilusión —tras varios días de espera, ya que había que terminar el rollo con otras fotos y mandarlo a revelar, lo cual no se hacía de un momento a otro; todo demoraba—. Ahora hace mucho que no veo la foto; es posible que se haya perdido, pero durante muchos años me sirvió de terapia; pocas cosas en el mundo han sido tan eficaces durante tanto tiempo para hacerme soltar una risa abundante y despiadada.
Por supuesto, si uno quería que realmente el fantasma se viera transparente, la exposición debía ser la mitad de la que se necesitaba, y no la mitad de la doble exposición que yo hice. Es decir, yo hice una foto común, al sol. Debí hacerla en interiores, en una penumbra muy calculada para que saliera como debía salir, es decir, como la foto de un fantasma. Pero lo peor de todo era la puesta en escena, esa silla, esa expresión de mi madre, las plantas de fondo, esa actitud entre humilde y benévola de mi abuela, que lo último que parecía expresar era una voluntad de asustar a su víctima. A cualquiera que mire esta foto y no conozca la historia, la intención exacta del fotógrafo le tiene que resultar absolutamente imposible de comprender.