Del mismo modo que la literatura es una función especializada del lenguaje,
la traducción es una función especializada de la literatura.
Octavio Paz
De 15 a 18 de agosto de 2016 ocorreu, nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre/RS, a II Semana de Estudos da Tradução, organizada pelo Núcleo de Estudos da Tradução Olga Fedossejeva (NET) da mesma universidade. Na ocasião, o público pôde constatar que a grande maioria dos palestrantes, ao relatar experiências em seus respectivos processos tradutórios, demonstrou que, atualmente, a tradução que se realiza em conjunto, com diálogos, trocas de experiências e discussões relativas às opções escolhidas acaba por apresentar soluções tradutórias mais apropriadas para uma melhor compreensão cultural dos textos traduzidos. Dentre o grupo de palestrantes, foram convidadas a divulgar seu trabalho as participantes do projeto da revista Pontis – Práticas de Tradução, um grande exemplo de tradução colaborativa em que tradutores e pesquisadores do Brasil e do Uruguai se uniram para desenvolver um projeto de tradução literária que vai além dos atos de traduzir e revisar.
Trata-se de um diálogo sobre o fazer literário, que contempla, também, a seleção e, por consequência, a veiculação de escritores ainda desconhecidos nos dois países. Esta reflexão pretende, portanto, discorrer sobre nossas experiências como tradutoras e revisoras de literatura para este projeto tão significante para nós como professoras de Tradução assim como para a literatura dos países em questão.
As professoras das disciplinas de Tradução no par de línguas espanhol/português da UFRGS vêm trabalhando de forma colaborativa porque entendem que a aprendizagem para o aluno se torna mais dinâmica, rica e produtiva. Citamos dois momentos importantes: no período de 2014/2015, com o Ciclo de Cinema Colombiano, no qual os alunos do Bacharelado em Letras Português-Espanhol fizeram a tradução audiovisual e legendagem sob supervisão das professoras, que repassavam o material a outra professora/grupo de alunos para analisar os vídeos e revisar as legendas feitas. No ano de 2016, as professoras das disciplinas de Versão do Espanhol I e III vêm aplicando com seus alunos a proposta de construir um blog que explique ao leitor hispânico a situação pela qual está passando o Brasil neste momento político tão conturbado.
Alguns dos textos produzidos nessas disciplinas de Versão serão retomados no Estágio de Tradução, reafirmando o trabalho colaborativo da equipe UFRGS. Portanto, a experiência conjunta com o grupo da revista Pontis apresenta uma possibilidade de pôr em prática as estratégias didáticas utilizadas em sala de aula através da
leitura e discussão dos textos traduzidos, das soluções tradutórias encontradas e correções colaborativas entre os pesquisadores e os alunos. Os estudantes, por sua vez, têm a oportunidade de vivenciar um projeto de tradução literária autêntico, além de já iniciar um contato com tradutores de outro país visando uma parceria no futuro.
Esta reflexão se dividirá em três partes: em um âmbito macro-textual, a) comentaremos a seleção dos textos literários traduzidos; já no aspecto micro-textual, b) discorreremos sobre os processos tradutórios utilizados no projeto (estratégias, operação tradutória, escolha de terminologias) pelas tradutoras e professoras revisoras; e c) discutiremos a revisão dos textos pelos alunos na disciplina de Revisão de Textos Traduzidos.
A revista Pontis, além de representar um importante lugar de debate sobre o fazer tradutório, cumpre um papel de reconhecimento e recuperação de autores que, muitas vezes, não se encontram no centro dos panoramas literários brasileiros e uruguaios. Pontis n.º 1, de fevereiro/março de 2016, se dedicou à escritora brasileira Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), que, na época em que produziu sua ficção, disputou espaço no campo literário com dois autores conhecidos por todos: Machado de Assis (1839-1908) e Aluísio Azevedo (1857-1913).
Felizmente, a história literária vem passando por uma revisão de critérios que deixa clara a assimetria entre autores e autoras presentes nos compêndios produzidos ao longo do tempo, e autoras como Júlia Lopes de Almeida começam a receber a atenção leitora e crítica que têm direito. Nesse sentido, a revista Pontis acompanha um importante movimento de reavaliação da crítica literária.
Na mesma linha, Pontis n.º 2, de abril/maio de 2016, se ocupou da tradução de textos da escritora Elaine Mendina, nome importante da atual literatura uruguaia e ainda de pouca circulação no Brasil, lacuna que, mais uma vez, a revista tenta reparar. Pontis n.º 3, de junho/julho de 2016, apresenta textos do jovem autor porto-alegrense Rafael Bán Jacobsen que, novamente, ganha leitores uruguaios e hispanohablantes graças à revista. É importante destacar que a revisão dos textos traduzidos para Pontis n.º 3 foi realizada por professoras da Universidade de Brasília (UnB), uma mostra mais do trabalho colaborativo que define a revista.
Por fim, Pontis n.º 4, agosto/setembro de 2016, traduziu textos de Hugo Burel, outro premiado escritor uruguaio que chega agora ao público brasileiro. Vale lembrar que para os números 2, 3 e 4 de Pontis, a equipe da revista entrevistou os autores que seriam em seguida traduzidos. Dessa forma, além de assegurar a leitura de escritores uruguaios para o público brasileiro e de escritores brasileiros para o público uruguaio, a revista registra depoimentos dos autores sobre seu processo de criação e a experiência de serem traduzidos. Essas entrevistas se tornam importantes documentos para os estudos literários e tradutológicos.
O desenvolvimento de recursos tecnológicos certamente auxiliou os tradutores a aperfeiçoar-se cada vez mais, haja vista a facilidade com que se encontra léxico estrangeiro e corpora via internet. Os programas que armazenam as memórias de tradução colaboram para a formação do tradutor que mantém um banco de dados com palavras e exemplos contextualizados de utilização. Os recursos tecnológicos adotados nessa atividade colaborativa foram essenciais para um desenvolvimento organizado e produtivo das problemáticas e dúvidas encontradas na retextualização da língua de chegada. Aqui serão comentados alguns exemplos de debates ocorridos com as revisões dos contos Cana de açúcar/Caña de azúcar, de Elaine Mendina, e O rock da mulher perdida/El rock de la mujer perdida, de Hugo Burel, omitindo os nomes dos tradutores e revisores, identificando-os com números, já que compreendemos ser este um trabalho realizado em conjunto e colaborativamente, no qual todos os participantes leram os textos e, de alguma forma, contribuíram com o resultado final das traduções.
O conto Cana de açúcar/Caña de azúcar relata a rotina de trabalhadores rurais, plantadores de cana de açúcar, que sofrem com o trabalho extenuante. Um grande desafio foi a escolha de equivalências para os diálogos populares
– com desvios de ortografia – para o português; também foi instigante traduzir canções populares, com toda sua peculiaridade, respeitando o ritmo contido nas sílabas dos versos. As discussões sobre as escolhas terminológicas foram frutíferas e esclarecedoras com resultados que priorizaram a decisão do tradutor, que atuou como um mediador do grupo e foi responsável pela versão final. Abaixo, apresentaremos exemplos de como transcorriam as discussões.
O primeiro exemplo mostra uma dúvida com relação a uma tradução e o diálogo que se segue:
tradutor 1 - em carne viva
Não temos certeza de que seja uma boa equivalência para “las tenían hechas llaga”
revisor 1
Ok! Boa equivalência!
Marked as resolved
Aqui, percebe-se que houve uma dúvida quanto à tradução da expressão e a escolha do tradutor foi aprovada pelo revisor segundo utilização corrente na língua de chegada. É importante informar ao leitor que o texto, antes de chegar ao revisor, passa por discussões e debates entre os participantes da revista Pontis que avaliam a tradução e comentam sobre as dúvidas que possam ocorrer ao leitor do texto transposto.
O segundo exemplo demonstra que a professora revisora apontou um estranhamento em uma expressão, houve discussão, porém o tradutor decidiu seguir com sua convicção:
revisor 1 - os atingiu um chuvisco de cinza
Sugestão: uma nuvem de cinza os atingiu
tradutor 2
Mudamos a ordem mas mantivemos “chuvisco”
Marked as resolved
O terceiro exemplo traz uma expressão local de uso corrente no Brasil: caipira. No país, dependendo da região, é possível encontrar vários registros para esta palavra: jeca, colono, caboclo, caiçara, etc. A narrativa em espanhol também apresenta diferentes termos para esse típico homem do interior, que vive geralmente muito longe das grandes cidades – pajuerano, canario – exemplos de nomenclatura utilizada no espanhol do Uruguai. Aqui, a professora revisora observou que, no texto original, as palavras não se repetiram mas, no texto em português, o tradutor estava repetindo a palavra caipira, o que se diferenciava da proposta original do texto.
Na etapa da escolha léxica mais adequada, houve uma conversa sobre qual palavra seria mais apropriada, que possuísse um alcance de compreensão em nível nacional:
revisor 1 - caipira
No original, “pajuerano”, palavra diferente de “canario”, que vinha sendo utilizada. Como sugestão de outro termo, poderíamos utilizar “colono”, mas penso que é usado aqui no Sul, não sei como seria recebido em outras regiões do Brasil…
tradutor 2
Dado que achamos “colono” muito marcado, decidimos usar “jeca”.
Obrigada pela observação.
Marked as resolved
E, por fim, uma discussão do conto O rock da mulher perdida/El rock de la mujer perdida, que, em estilo notadamente cortazariano, apresenta uma situação comum em épocas de governos autoritários: o desaparecimento de uma mulher na ditadura uruguaia. Houve um questionamento sobre uma expressão muito utilizada em espanhol – un par de días – e que parece estar sendo incorporada ao português, mantendo o mesmo significado. Pela discussão, pode-se observar que houve um desentendimento com relação à utilização da expressão em língua portuguesa.
O trecho demonstra, também, que discussão sobre tradução também pode ser diversão:
revisor 1 - em um par de dias
estrutura beeeem espanhola, hehe… que tal “em alguns dias”?
tradutor 3
Jeje! Se nos pasó
tradutor 4
Sí, incluso en esp. no necesariamente se refiere a dos días… es super vago!
revisor 2
não sei: googleando, aparecem muitos usos
tradutor 2
Acho que é um uso genérico…
Marked as resolved
Após as decisões tomadas no âmbito privado das universidades, ao serem publicados, os textos ficam disponíveis para apreciação e avaliação do leitor, que pode enviar suas observações e sugestões aos tradutores, ampliando ainda mais o debate sobre a tradução literária. Um exemplo a mais da importância de um projeto como a revista Pontis na formação de tradutores e de professores de tradução, que têm a oportunidade de dialogar sobre as práticas desenvolvidas durante o processo tradutório em âmbito público, ampliando as abordagens para os interessados em tradução e estudos de tradução.
A disciplina de Revisão de Textos Traduzidos foi incluída no novo currículo do Curso de Bacharelado em Letras - Tradução que entrou em vigor em 2012. A disciplina é oferecida para todas as especialidades do curso (alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês) e tem o objetivo de introduzir os alunos na prática de revisão textual voltada à tradução, com ênfase no reconhecimento e manutenção de traços estilísticos, convenções dos gêneros textuais e normas editoriais. Espera-se, portanto, que os alunos tenham uma formação básica que lhes permita: a) revisar suas próprias traduções e b) revisar a tradução feita por outros tradutores, inclusive abrindo a possibilidade de sua atuação como revisor de tradução em agências de tradução e em editoras.
Na disciplina de Revisão de Textos Traduzidos do Espanhol para o Português, oferecida no segundo semestre de 2016, uma das atividades realizadas foi a revisão da tradução para o português do conto Homem em um saguão/Hombre en un zaguán de Hugo Burel.
A seguir, comentaremos as etapas seguidas para a realização da tarefa, bem como faremos referência à fundamentação teórica que sustenta as decisões e sugestões feitas aos tradutores.
Segundo Mossop (1982, p. 1) o objetivo da revisão “é identificar os problemas mais importantes e resolvê-los”, destacando que a revisão “não é retradução” (tradução nossa). Além desse princípio, seguimos outros propostos por Parra Galiano (1982, p. 201-202), que mencionamos a seguir:
- conhecer o encargo ou encomenda de tradução, ou seja, quem era o público leitor do texto, qual era sua função, em que meio seria publicado. No caso da revista Pontis, os leitores podem ser falantes de espanhol, principalmente do Uruguai, ou do português, brasileiros em sua maioria, interessados em conhecer a literatura de ambos os países. O meio de divulgação é eletrônico, e a estrutura da revista inclui uma apresentação do autor escolhido para ser traduzido em cada um dos números;
- minimizar as modificações no Texto de Chegada (TC): como era a primeira revisão de tradução feita pelos alunos, a tendência foi querer modificar vários aspectos do texto, sobretudo por questões de estilo de redação de cada um. No entanto, foi seguido o princípio de que revisar um texto traduzido não é retraduzi-lo, mas apenas apontar os problemas mais relevantes, seguindo os parâmetros de revisão de Parra Galiano (2007) que mencionamos abaixo;
- justificar as correções: todas as correções feitas foram acompanhadas de uma justificativa, baseada nos parâmetros da referida autora.
As etapas seguidas no processo de revisão foram as seguintes:
Etapa 1: leitura individual do TC (revisão unilíngue, conforme Parra Galiano) para identificar possíveis problemas e fazer sugestões para solucioná-los. O objetivo dessa leitura foi identificar os problemas iniciais, principalmente os relacionados ao caráter idiomático – o modo de dizer específico de uma língua – do português brasileiro, ou seja, buscou-se identificar as escolhas lexicais e de estruturas pouco frequentes e que poderiam tornar o TC um pouco estranho aos leitores do português.
Etapa 2: identificação das características do texto, realizada em aula com todos os alunos. Algumas das características identificadas foram: a existências de três vozes (narrador, Saldíbar e sua esposa, Raquel) e as escolhas léxicas que ajudam inclusive a caracterizar os dois personagens, como se pode ver no uso das palavras frenéticamente, afanaba, trapos y escobillones no trecho [...] frenéticamente su mujer se afanaba con trapos y escobillones. [...], que caracteriza a personagem Raquel como uma pessoa obcecada com a limpeza da casa.
Etapa 3: leitura comparativa do Texto Original (TO) com o TC (revisão bilíngue ou comparativa, segundo Parra Galiano) e apresentação dos problemas e soluções identificados por cada um dos estudantes na etapa 1.
Etapa 4: discussão coletiva das propostas feitas para se chegar a um consenso sobre as correções que deveriam ser enviadas às tradutoras.
Etapa 5: elaboração de justificativas para cada umas das correções a partir dos parâmetros propostos por Parra Galiano (2007). Tais justificativas foram enviadas às tradutoras para que tivessem informações necessárias e suficientes para a tomada de decisões na versão final da tradução que seria publicada.
Parra Galiano (idem, p. 203-207), com base em Mossop, propõe nove parâmetros para a revisão do TC, apresentados brevemente abaixo.
1) Conteúdo:
- lógica: parâmetro relacionado à construção do texto considerando os aspectos linguísticos formais e semânticos (coesão e coerência) e a clareza do texto para o leitor;
- dados: refere-se ao uso adequado de cifras e números;
- linguagem especializada: relativo à terminologia, à fraseologia e à estrutura do texto, pois cada gênero textual utiliza seus próprios recursos léxicos, sintáticos e retóricos que podem ser diferentes no TO e no TC.
2) Aspectos linguísticos:
- norma e uso da língua de chegada: faz referência à norma e uso vigentes da língua de chegada, considerando também aspectos como diversidade linguística, idioletos, registro e estilo;
- adaptação ao destinatário: trata de identificar se o leitor do TC é o mesmo ou não do TO. Caso não sejam os mesmos leitores, o tradutor precisa fazer adaptações, e o revisor da tradução deve estar atento a este aspecto para verificar se a coerência e a fluidez do texto são preservadas.
3) Finalidade e usuário do TC (parâmetros funcionais):
- exatidão: assegura que o TC tem o mesmo sentido que o TO. Esse aspecto relaciona-se também à legibilidade do TC por parte dos seus leitores;
- integridade: garante que o TC contém a totalidade das informações apresentadas no TO, exceto quando o pedido de tradução seja outro, por exemplo, fazer um resumo do TO.
4) Apresentação do texto traduzido:
- edição: refere-se à estrutura do texto, à disposição da informação no texto e também nas páginas, de forma que seja clara para o leitor; inclui ainda a revisão de margens, espaço, etc.
- ortografia e código tipográfico: abrange o uso correto dos elementos tipográficos (cursiva, negrito, sublinhado, entrada de parágrafos, espaços, etc.) e, caso o cliente tenha solicitado edição diferenciada, para atender determinadas normas de edição, é preciso revisar o TC conforme essas normas.
Dos parâmetros mencionados acima, os problemas encontrados na revisão do conto concentraram-se nos aspectos linguísticos, principalmente de adequação à norma e ao uso, ocorrendo poucos erros relativos aos parâmetros ortográficos e praticamente nenhum em relação aos parâmetros funcionais e de conteúdo. A seguir, ilustramos alguns dos problemas encontrados e as sugestões para sua solução que foram encaminhadas às tradutoras.
(1) —¿A dónde vas, no ves que estoy lavando el piso?
Ya estaba. Había quedado atrapado entre el comedor y la puerta de calle, prisionero en un oscuro y frío zaguán, sin otra alternativa que esperar a que su mujer terminara o que la lluvia cesase.
— Aonde você vai, não vê que estou lavando o chão?
Já foi. Tinha ficado preso entre a sala de jantar e a porta de entrada, prisioneiro em um escuro e frio saguão, sem outra alternativa que esperar a que sua mulher acabasse ou que a chuva cessasse.
Nesta frase, trataremos especificamente de dois problemas: as expressões ya estaba e puerta de la calle. Em relação à primeira expressão, as tradutoras deixaram um comentário esclarecendo que deveria ser uma variação da expressão ya está. Nesse contexto, essa forma refere-se a algum fato ocorrido – Saldíbar desejava sair da sala de jantar, mas sua esposa já tinha começado a lavar o chão, impedindo-o de passar – e não há como remediar tal fato – ele não poderia ir para outra parte da casa, estava limitado a ficar no espaço do saguão, fato que justificaria o título do conto. Portanto, a expressão pode ter como equivalente, em português, a forma pronto, que tem esse mesmo sentido e segue o parâmetro linguístico referente à norma e ao uso da língua de chegada.
A segunda expressão, puerta de la calle, foi traduzida por porta de entrada. Sugeriu-se trocar por porta da rua, pois efetivamente era a porta da casa que dava para a rua. Além disso, porta de entrada poderia denotar qualquer porta, inclusive de outros cômodos da casa (porta de entrada do quarto, porta de entrada da cozinha). A sugestão segue os parâmetros linguísticos (adaptação ao destinatário) e funcional (exatidão).
(2) La lluvia continuaba cayendo implacablemente. Sorda, sin respiros, como hacía ya seis horas.
A chuva continuava caindo implacavelmente. Surda, sem respiros, como fazia já seis horas.
Neste exemplo, a sugestão foi feita em relação à expressão sin respiros, que tem o sentido sem pausa, continuamente. Em português, há a expressão sem trégua, que é um colocado usual para chuva, sendo a solução sugerida, pois segue o parâmetro linguístico (norma e uso, com foco na idiomaticidade).
Seguindo esse parâmetro, também foi feita a sugestão da expressão largarse a correr na frase seguinte:
(3) No sería una locura largarse a correr y llegar mojado, pero triunfal a lo que en cierta forma representaba la libertad.
Não seria uma loucura se largar a correr e chegar molhado, mas triunfal o que, de certa forma, representava a liberdade.
As próprias tradutoras comentaram que não haviam encontrado muitas ocorrências de se largar a correr. A sugestão feita pelos revisores foi sair em disparada, expressão com alta frequência de uso nas buscas realizadas em corpus e no google.
Para concluir, é importante ressaltar alguns aspectos do processo de revisão realizado com os alunos, que são também aspectos gerais de nossa parceria com a equipe da revista Pontis:
- a revisão coletiva e colaborativa, que permitiu, a partir das discussões, identificar os problemas realmente importantes a serem tratados na revisão e apresentar soluções;
- o estabelecimento de princípios e parâmetros para proceder à revisão;
- a importância da atividade realizada no contexto de sala de aula para formação dos alunos tanto por ser um trabalho real, isto é, os textos revisados foram publicados posteriormente, quanto por permitir-lhes aplicar a teoria em uma atividade prática concreta;
- o intercâmbio entre professores e estudantes da Udelar e da UFRGS, o que fortalece os laços entre toda a equipe envolvida e entre ambas as universidades e representa um diálogo, um verdadeiro trabalho de equipe;
- a possibilidade de esse projeto abrir espaço para parcerias futuras entre os próprios alunos, futuros profissionais da tradução.
Referências:
MOSSOP, Brian. A Procedure for Self-Revision. Terminology Update, Volume 15, Number 3, 1982. Disponível em: http://www.btb.termiumplus.gc.ca/tpv2guides/guides/favart/index-eng.html?lang=eng&lettr=indx_autr8D4Qx-kn2xlI&page=9MDzwkuPrVWs.html. Acesso em: 30 set. 2016.
PARRA GALIANO, Silvia. Propuesta metodológica para la revisión de traducciones: principios generales y parámetros. TRANS núm. 11, 2007, p. 197-214. Disponível em: http://www.trans.uma.es/pdf/Trans_11/T.197-214Galiano.pdf. Acesso em: 20 jun. 2015.
Autoras:
Cleci Bevilacqua* é graduada em Bacharelado em Letras-Tradução e em Licenciatura em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); mestre em Letras pela mesma universidade e doutora em Linguística Aplicada pelo Instituto Universitário de Linguística Aplicada, Universitat Pompeu Fabra. Professora associada do Departamento de Línguas Modernas do Instituto de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS. Atua nas áreas de Ensino e Tradução de Língua Espanhola, Terminologia e Lexicografia. Tem como temas de pesquisa: a Fraseologia Especializada, a Terminologia e a Tradução e suas interfaces com a Linguística de Corpus. É pesquisadora e coordenadora do Grupo de Pesquisa TERMISUL — Projeto Terminológico Cone Sul — e líder do mesmo grupo no CNPq. Mais informações disponíveis em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4763384E6
Karina de Castilhos Lucena** é professora do Instituto de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Leciona literatura hispano-americana e tradução (par linguístico português/espanhol). Pesquisa história da literatura hispano-americana e investiga a função da literatura traduzida na formação de literaturas nacionais. Suas publicações recentes tratam desse tema de pesquisa, mas já escreveu sobre Gabriel García Márquez, Juan Carlos Onetti, Julio Cortázar, Simões Lopes Neto, Dyonélio Machado, entre outros. Para referências completas desses textos, consultar http://lattes.cnpq.br/7278489649612658. Atualmente coordena o Núcleo de Estudos da Tradução – NET/UFRGS.
Liliam Ramos da Silva*** é Bacharel em Letras - português/espanhol pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre e doutora em Letras pela UFRGS e especialista em ensino de língua e literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente coordena o projeto “Vozes negras na literatura hispano-americana” e trabalha na tradução de romances do século XIX que apresentam personagens negros como protagonistas.