Chegamos, doutor, é aqui o terreno, diz o motorista da construtora um pouco antes de estacionar em frente ao muro branco qu...
Chegamos, doutor, é aqui o terreno, diz o motorista da construtora um pouco antes de estacionar em frente ao muro branco que, refletindo em cheio o sol, tremeluz e quase cega. Descabido usar a palavra terreno, eu penso; afinal, segundo consta na prancheta, ainda há duas casas no local, e a demolição começará somente no próximo mês; porém, o motorista está certo: para nós, é apenas mais um terreno, e não importa o que haja neste local, é preciso destruir para dar espaço ao novo. Espicho os olhos a fim de enxergar entre as grades do portão, e, nesse instante, a certeza me asfixia: é o mesmo lugar em que eu estive naquele carnaval, há mais de dez anos.
O caseiro nos recebe sem demora, e, apesar da idade impressa nos vincos da pele crestada e nos cabelos sem cor, o velho caminha ligeiro, guiando-nos pela chácara com uma solicitude que não oculta completamente a insatisfação – talvez tristeza – por ter de receber aqueles que desconstruirão o recanto onde fez sua vida; sim, é o mesmo homem da outra vez, embora ele não possa me reconhecer entre os tantos que aqui passaram veraneio. Do lado esquerdo, o sobradinho quadrado despido de estilo, paredes cruas, ainda com aparência de obra inacabada; mais à
Llegamos, patrón, aquí es el terreno, dijo el chofer de la constructora poco antes de estacionar frente al muro blanco que, reflejando el sol de lleno, centellea y casi ciega. Incoherente usar la palabra terreno, pienso; al final, según consta en la planilla, aún hay dos casas en el lugar, y la demolición comenzará recién el próximo mes; sin embargo, el chofer está en lo cierto: para nosotros, es solamente un terreno más, y no importa lo que haya en este lugar, es preciso destruir para dar espacio a lo nuevo. Extiendo la mirada a fin de ver entre las rejas del portón, y, en ese instante, la certeza me asfixia: es el mismo lugar en el que estuve en aquel carnaval, hace más de diez años.
El casero nos recibe sin demora, y, a pesar de la edad impresa en los pliegues de la piel curtida y en el cabello descolorido, el viejo camina ligero, guiándonos por la chacra con tal diligencia que no oculta completamente la insatisfacción —tal vez tristeza— por tener que recibir a aquellos que desarmarán el refugio donde hizo su vida; sí, es el mismo hombre de la otra vez, aunque él no pueda reconocerme entre los tantos que aquí veranearon. Del lado izquierdo, la casa cuadrada de dos pisos y despojada de estilo, paredes crudas, aún con apariencia de obra sin terminar; más a la
direta, a casinhola onde morava o velho; no terreiro entre as duas construções, igual a no passado, galinhas sacolejam de um lado para outro, bicando migalhas, esvoaçando de quando em quando, mas, como se obedecessem a um secreto imperativo de grupo, não escapam jamais para os fundos do pátio, onde se entremeiam arbustos espinhentos, coqueiros e outras árvores frutíferas. A mim, acostumado à sobriedade das araucárias e dos ciprestes, sempre surpreende a paisagem tropical, por mais que costume viajar e, já há dois meses, viva a milhares de quilômetros do sul. Perco-me, por uns segundos, na contemplação das copas, que, sem pudor, misturam folhas e frutos, sobrepondo as gotas rubras das pitangas aos corações alaranjados dos cajus; de onde estamos, contudo, é impossível ver o tamarindo, a árvore predileta de Tales, cujo segredo é também um pouco meu.
Enquanto caminhávamos pela chácara, o caseiro fala das dimensões do terreno, das peculiaridades da cidadela e, com a tranquilidade de quem não tem mais nada a arriscar, diz até do seu desapontamento com os patrões por causa da venda; eu, no entanto, pouco lhe ouço, pois meus sentidos inebriam-se com a ressurgência daquele fevereiro até agora esmaecido. De repente, eu não sou mais
derecha, la casita donde vivía el viejo; en el terreno entre las dos construcciones, igual que en el pasado, gallinas se sacuden de un lado para otro, picoteando migajas, aleteando de cuando en cuando, pero, como si obedecieran a un secreto imperativo de grupo, no escapan jamás para el fondo del patio, donde se intercalan espinos, cocoteros y otros árboles frutales. A mí, acostumbrado a la sobriedad de las araucarias y de los cipreses, siempre me sorprende el paisaje tropical, por más que acostumbre viajar y, ya hace dos meses, viva a miles de kilómetros del sur. Me pierdo, por unos segundos, en la contemplación de las copas, que, sin pudor, entreveran hojas y frutos, sobreponiendo las gotas carmesí de las pitangas a los corazones anaranjados de los cajús; desde donde estamos, sin embargo, es imposible ver el tamarindo, el árbol predilecto de Tales, cuyo secreto es también un poco mío.
Mientras caminábamos por la chacra, el casero habla de las dimensiones del terreno, de las peculiaridades de la ciudadela y, con la tranquilidad de quien no tiene nada más para perder, habla incluso de su decepción con los patrones por causa de la venta; yo, sin embargo, poco lo escucho, pues mis sentidos se embriagaban con el resurgimiento de aquel febrero hasta ahora desvanecido. De repente, no soy más
o engenheiro recém-contratado, responsável pelo projeto de um condomínio litorâneo no norte do país, eu não sou pai ou marido; eu sou o rapaz a caminho de seu último ano na universidade e que foi mandado pela mãe a passar férias com uma quase desconhecida tia do lado paterno; eu piso, novamente, o chão poeirento com os pés cautelosos de então, os pés de quem estava prestes a encontrar pessoas que eram muito mais rumores do que seres de carne, osso e sonhos (e, afinal, apenas de um deles eu conheceria os sonhos).
Coisas eu sabia: tia Vânia, irmã de meu pai, atriz frustrada, era um manancial de risos, ideias e empreendimentos, todos falidos pelo seu jeito despreocupado e perdulário; o marido, Heron, era motorista de ônibus escolar e contumaz bebedor de cerveja; Tales, meu primo, tinha doze anos, já vencera uma olimpíada de matemática e, nos falatórios familiares, era descrito como pensativo, delicado e tímido. Minha mãe, com a autoridade de quem muito brigara para casar com um não judeu, sentenciava: eles são goim, mas são gente boa. E, mesmo depois da morte de meu pai, algumas notícias dos parentes ainda chegavam até nós. E sobre mim? Quanto eles saberiam? Conhecendo as pequenas maldades de que são capazes os membros de uma família quando comentam sobre os outros,
el ingeniero recién contratado, responsable del proyecto de un condominio costero del norte del país, no soy padre o marido; soy el joven camino a su último año en la universidad, que fue mandado por la madre a pasar las vacaciones con una casi desconocida tía del lado paterno; piso nuevamente el suelo polvoriento con los pies cautelosos de entonces, los pies de quien estaba a punto de encontrar personas que eran mucho más rumores que seres de carne, hueso y sueños (y, al final, solo de uno de ellos conocería los sueños).
Cosas yo sabía: la tía Vânia, hermana de mi padre, actriz frustrada, era un manantial de risas, ideas y emprendimientos, todos fallidos por su forma despreocupada y derrochadora; el marido, Heron, era chofer de un ómnibus escolar y contumaz tomador de cerveza; Tales, mi primo, tenía doce años, había ganado una olimpiada de matemática y, en las habladurías familiares era descrito como pensativo, delicado y tímido. Mi madre, con la autoridad de quien había luchado mucho para casarse con un no judío, sentenciaba: ellos son goim, pero son buena gente. Y, aun después de la muerte de mi padre, algunas noticias de los parientes todavía nos llegaban. ¿Y sobre mí? ¿Cuánto sabrían ellos? Conociendo las pequeñas maldades de las que son capaces los miembros de una familia cuando comentan sobre los otros,
redobrava a cautela dos meus passos. Lembro que o primeiro a me receber foi aquele menino de cabelos curtos, quase raspados, tez acobreada e lábios cheios; estava sentado no parapeito da janela e, assim que deu pela minha presença, saltou e veio correndo. A um par de metros, porém, estacou, calado, restando-me o seu olhar estreito como saudação, um olhar que brilhava sem, todavia, revelar os sentimentos. Poucos instantes tive para tentar adivinhar; de dentro do sobrado, o qual parecia tremer ao ruído de muitas vozes, passos e tilintares, surgiu minha tia, seguida pelo esposo. Ela, em trajes de praia, rodopiava com um copo na mão, embalada pela música alta e chiada que vinha da casa; ele, pesado e lento, de bermuda e chinelos, trazia a garrafa. Meu querido, há quantos anos, ela falou, misturando sílabas. Abraçou-me, desajeitada, cheiro de álcool e bronzeador: como está bonito, forte, cada vez mais parecido com seu pai. Sorri por não saber o que dizer, nem foi preciso buscar palavras; Heron achegou-se e deu boas-vindas, ao seu modo: oi, moço, aceita uma cerveja? Não, obrigado, eu não bebo. Como assim não bebe?, e pingos de suor escorriam-lhe pela fronte e pela barriga cada vez que falava. Tia Vânia, pressurosa, interveio: por que não trouxe a namorada? Tem um bocado de gente aqui, vizinhos, amigos, e ela seria mais companhia para fazer festa. Eu não tenho namorada, respondi. Houve um instante em que ficou apenas o sol, a estridência da música e os cacarejos abafados das galinhas. Tales ainda me olhava. Meu filho, seja educado, venha cumprimentar o seu primo – e foi só então, ao ouvir a ordem do pai, que Tales se aproximou.
redoblaba la cautela de mis pasos. Recuerdo que el primero en recibirme fue aquel muchacho de cabello corto, casi rapado, tez cobriza y labios carnosos; estaba sentando en el antepecho de la ventana y, en cuanto advirtió mi presencia, saltó y vino corriendo. A un par de metros, sin embargo, se estacó, callado, quedándome su mirada parca como saludo, una mirada que brillaba sin, no obstante, revelar los sentimientos. Pocos instantes tuve para intentar adivinar; dentro de la casa, la cual parecía temblar al ruido de muchas voces, pasos y tintineos, surgió mi tía, seguida por el esposo. Ella, en traje de baño, giraba con un vaso en la mano, envuelta en el chirrido de la música alta que venía de la casa; él, pesado y lento, de bermuda y chinelas, traía la botella. Mi querido, cuántos años, dijo ella, mezclando las sílabas. Me abrazó, torpe, olor a alcohol y bronceador: qué lindo estás, fuerte, cada vez más parecido a tu padre. Sonreí por no saber qué decir, ni fue necesario buscar palabras; Heron se arrimó y dio la bienvenida, a su modo: hola, ¿querés una cerveza? No, muchas gracias, yo no tomo. ¿Cómo que no tomás?, y gotas de sudor le escurrían por la frente y la barriga cada vez que hablaba. La tía Vânia, apresurada, intervino: ¿por qué no trajiste a tu novia? Hay un montón de gente acá, vecinos, amigos, y ella sería una más para celebrar. No tengo novia, respondí. Hubo un instante en que quedó únicamente el sol, la estridencia de la música y los cacareos asfixiados de las gallinas. Tales todavía me miraba. Hijo mío, sea educado, venga a saludar a su primo; y fue solo entonces, al oír la orden del padre, que Tales se acercó.
Agora, porém, no inesperado retorno, eu o procuro em vão. Olho ao redor. O caseiro e o motorista estão já a alguns passos de distância, conversando entre si. Quero ver o sobrado por dentro, exclamo. Pois não, senhor?, o velho, meio surdo, a mão em concha ao redor da orelha. Quero ver o sobrado por dentro.
O caseiro traz a chave, e eu digo que não precisa me acompanhar. Os dois homens ficam no terreiro, falando de ração para aves e outros interesses comuns. Entro sozinho, mas a impressão é a mesma antes, há dez anos, quando Tales me apresentou a casa; é como se ele estivesse ao meu lado, apontando os homens sem camisa e as mulheres de biquíni que se espalhavam por todos os cômodos, dizendo nomes que não me importavam. Agora, no entanto, sem ninguém ali, eu posso observar melhor a ausência de reboco, as lâmpadas nuas e ligadas a caóticos novelos de fios, os borrões vermelhos da ferrugem nas esquadrias, as garatujas que a umidade estampa no teto; o mesmo abandono – em todo esse tempo, não calhou a quem fosse reformar ou, pelo menos, disfarçar a decrepitude.
Ahora, sin embargo, en el inesperado retorno, lo busco en vano. Miro alrededor. El casero y el chofer están ya a algunos pasos de distancia, conversando entre sí. Quiero ver la casa por dentro, exclamo. ¿Cómo dijo, patrón?, el viejo medio sordo, la mano cóncava alrededor de la oreja. Quiero ver la casa por dentro.
El casero trae la llave, y le digo que no necesita acompañarme. Los dos hombres permanecen en el terreno, hablando de la ración para las aves y otros intereses comunes. Entro solo, pero la impresión es la misma que antes, diez años atrás, cuando Tales me presentó la casa; es como si él estuviese a mi lado, señalando a los hombres sin camisa y a las mujeres en biquini que se esparcían por todas las habitaciones, diciendo nombres que no me interesaban. Ahora, no obstante, sin nadie allí, puedo observar mejor la ausencia del revoque, las lámparas desnudas y conectadas a caóticos ovillos de cables, los manchones rojos del herrumbre en los marcos, los garabatos que la humedad estampa en el techo; el mismo abandono —en todo este tiempo, no apareció quién la reformara o, por lo menos, disfrazara la decrepitud—.
Acho que você não gostou; foi essa a primeira coisa pessoal que Tales me disse. Estávamos na maior sala da casa, onde malas, colchonetes e engradados disputavam espaço. Larguei a mochila em um canto e respondi que eu não me sentia à vontade em ambientes novos e que pouco ia à praia. Talvez eu seja acomodado, completei. E ele: também não gosto muito, mas o pessoal se diverte, mesmo que seja tudo meio improvisado. Paramos junto a uma janela, a mesma onde eu me detinha agora, solitário, e ele falou: logo se vê que não é daqui, que não gosta de praia, andando assim de tênis e calça no calor; não quer trocar de roupa? Obrigado, estou bem. Embora falasse baixo, quase como se tivesse vergonha, ele me parecia bem menos ensimesmado do que eu imaginara. Apontou as árvores lá fora e chamou: vem, quero mostrar uma coisa. Na saída, esbarramos em tia Vânia: daqui a pouco anoitece, rapazes, e todo mundo vai para a farinhada. Entrou cambaleando no sobrado, estalando a língua como se cantasse.
Durante nossa andança pela chácara, Tales me explicou como funcionava: o povo se reunia na praça da cidadezinha, aquela mesma onde o ônibus me deixara, e, munidas de bexigas d’água, confetes e sacos de semolina, as pessoas
Me parece que no te gustó; fue esa la primera cosa personal que Tales me dijo. Estábamos en la pieza más grande de la casa, donde maletas, colchonetas y casilleros de cerveza disputaban el espacio. Dejé la mochila en un rincón y respondí que no me sentía a gusto en ambientes nuevos y que poco iba a la playa. Tal vez yo sea flojo, completé. Y él: tampoco me gusta mucho, pero todos se divierten, aunque sea todo medio improvisado. Paramos junto a la ventana, la misma donde yo me detenía ahora, solitario, y él dijo: enseguida se nota que no sos de acá, que no te gusta la playa, andando así de championes y pantalones con este calor; ¿no querés cambiarte? Gracias, estoy bien. Aunque hablara bajo, casi como si tuviese vergüenza, él me parecía mucho menos introvertido de lo que yo había imaginado. Señaló los árboles allá afuera y me llamó: vení, te quiero mostrar una cosa. A la salida, nos topamos con la tía Vânia: dentro de poco anochece, muchachos, y todos vamos a la farinhada. Entró tambaleándose a la casa, chasqueando la lengua como si cantara.
Durante nuestra andanza por la chacra, Tales me explicó cómo funcionaba: la gente se reunía en la plaza del pueblo, la misma donde el ómnibus me había dejado, y, armados de bombitas de agua, serpentinas y bolsitas de sémola,
festejavam a ausência de regras, beneplácito do carnaval. Quanto mais sujo saísse, melhor. Vamos? Acho que não, respondi, não é bem a minha ideia de divertimento. Ele sorriu, e vi que a boca do menino, graciosa estando calada, não o era menos quando ria. Você estuda engenharia, não é? Sim; queria estudar matemática, mas fui parar na engenharia. Por quê?, Tales não se contentava com respostas pela metade. Sempre disseram que matemática não daria futuro, que eu ia acabar sendo professor e recebendo salário de fome; pode ser que eu me acovarde muito fácil. Ele parou perto de uma acácia e arrancou um ramo delgado e frágil: não é bom deixar os outros dizerem o que você deve fazer. Não tentei me explicar, e Tales parecia pouco interessado em qualquer justificativa; seguiu a trilha quieto, mas, agora, tinha ares de quem se divertia por dentro. Eu gosto de matemática, falou. Já me contaram, você até ganhou uma olimpíada, não foi? Coisinha à toa, lançou ele, espiando-me por sobre o ombro com aqueles olhos de pequeno mouro, sementes de tâmara, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga. Sabia que você tem o nome de um matemático grego? Sim, aquele do teorema dos feixes de retas. Exato; dizem também que ele foi o primeiro filósofo de verdade, porque ele tinha essa teoria de que a água era a origem de todas as
festejaban la ausencia de reglas, con el beneplácito del carnaval. Cuanto más sucio saliera, mejor. ¿Vamos? Me parece que no, respondí, esa no es bien la idea que tengo de diversión. Él sonrió, y vi que la boca del muchacho, graciosa estando callada, no lo era menos cuando reía. ¿Estudiás ingeniería, no? Sí; quería estudiar matemática, pero terminé en ingeniería. ¿Por qué?, Tales no se contentaba con respuestas por la mitad. Siempre dijeron que la matemática no daría futuro, que terminaría siendo profesor y ganando un salario de hambre; puede ser que yo me acobarde muy fácilmente. Él se paró cerca de una acacia y le arrancó un ramo delgado y frágil: no es bueno dejar que los otros te digan lo que debés hacer. No intenté explicarme, y Tales parecía poco interesado en alguna justificación; siguió el sendero quieto, pero, ahora, tenía aires de quien se divertía por dentro. A mí me gusta la matemática, dijo. Ya me contaron, hasta ganaste una olimpíada, ¿no es cierto? Algo sin importancia, lanzó él, espiándome por sobre el hombro con ojos de pequeño moro, semillas de dátil, ojos de muchacho que sueña, que adivina, que indaga. ¿Sabés que tenés nombre de un matemático griego? Sí, el del teorema de los conjuntos de rectas. Exacto; dicen también que él fue el primer filósofo de verdad, porque tenía la teoría de que el agua era el origen de todas las
coisas. Tales deu uma gargalhada: que ideia maluca. Pode parecer, contemporizei; na verdade, o que importa é que ele conseguiu dizer algo sobre a natureza sem apelar para divindades ou fábulas e defendia um princípio único por trás do universo – ele identificou esse princípio com a água, mas isso é quase um detalhe. Pensando assim, até que faz sentido; e o seu nome, de onde vem? É por causa de um profeta israelita que, aliás, viveu na mesma época em que Tales; ele foi falar de Deus para os assírios. Os assírios não eram aqueles sujeitos que empalavam, crucificavam e esfolavam os outros e depois faziam pirâmides com os crânios deles? Você é esperto, confirmei.
Encontramos uma espécie de clareira. Bem no meio dela, impunha-se, feito altaneiro fractal, o tamarindo, centenário, postura curva de ancião. É aqui, falou Tales, correndo até a árvore com rapidez de júbilo. Sentamos sob a copa derramada, cujos galhos chegavam a tocar o chão. O que você queria mostrar?, perguntei. Calma, temos que esperar o sol começar a descer, a hora em que o vento faz a volta em cima do mar. Em alguns minutos, a luz beijava a terra de modo bem mais oblíquo e hesitante. Foi quando uma leve brisa, recendendo a sal e algas, instalou-se, suspirou e, em frêmitos constantes, ganhou a força necessária para tanger os galhos do tamarindo, cujas pontas começaram a percorrer o solo,
cosas. Tales soltó una carcajada: qué idea loca. Puede ser, le concedí; en realidad, lo que importa es que él logró decir algo sobre la naturaleza sin apelar a las divinidades o fábulas y defendía un principio único por detrás del universo —vinculó ese principio con el agua, pero eso es casi un detalle—. Pensando así, hasta tiene sentido; y tu nombre, ¿de dónde viene? Es por el nombre de un profeta israelita que, además, vivió en la misma época que Tales; él fue a hablar de Dios a los asirios. ¿Los asirios no eran los que empalaban, crucificaban y desollaban a los otros y después hacían pirámides con sus cráneos? Sos astuto, confirmé.
Encontramos una especie de claro. Bien en el medio, se imponía, cual altanero fractal, el tamarindo, centenario, postura encorvada de anciano. Es aquí, dijo Tales, corriendo hasta el árbol con rapidez de júbilo. Nos sentamos bajo la copa derramada, cuyas ramas llegaban a tocar el suelo. ¿Qué me querías mostrar?, pregunté. Calma, tenemos que esperar que el sol comience a bajar, la hora en que el viento da la vuelta encima del mar. En algunos minutos, la luz besaba la tierra de forma más bien oblicua y vacilante. Fue cuando una leve brisa, emanando olor a sal y algas, se instaló, suspiró y, en bramidos constantes, ganó la fuerza necesaria para tocar las ramas del tamarindo, cuyas puntas comenzaron a recorrer el suelo,
riscando a areia. Essa é minha árvore favorita, disse Tales, porque ela tem um segredo: essa árvore sabe escrever. Soltei uma interjeição qualquer de descrença, e ele reafirmou: é a pura verdade, veja direito, ela está desenhando um jota. De fato, um dos galhos, animado pelo vento sinuoso, descreveu um semicírculo na terra e, depois, empurrado por uma lufada mais enérgica, seguiu tangencialmente por quase dois metros, traçando um pedaço de reta. Viu só?, exultava o menino, É um jota. Em uma coreografia improvável, os ramos sacudiam-se junto ao solo, apagando a letra recém-grafada apenas a tempo de bosquejar outra. Acompanhei, com olhos ávidos, a circunvolução que trazia à luz o novo símbolo, tentando antevê-lo: sim, acho que estou enxergando, agora parece um oito deitado; será que é o infinito? Tales fitou-me, sério, e a cintilação tristonha da tarde que morria dava a ele uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril: não é não; daqui de onde estou, mais parece um e, um e tironiano. O ar revolveu-se em torno de nós, assoviando meias-palavras, e dois galhos arranharam o chão em perpendiculares. Um tê, gritamos juntos. E rimos. Súbito, a árvore toda convulsionou-se ao vento, vergando suas toneladas de lenho e seiva para entregar mais e mais ramagens à urgência da escrita, sua caligrafia do espanto. Os novos sinais, quase ilegíveis pela pouca iluminação, eram muitos, diversos, confusos. Tales coçou a cabeça: não estou entendendo nada. Em um lampejo, compreendi: ela está falando comigo, são letras hebraicas – yud, resh, álef. E quer dizer o quê?, restava apenas a voz trêmula de Tales, pois a noite consumada lhe roubava o semblante. Lê-se yare, mas eu não lembro o que significa.
rayando la arena. Ese es mi árbol favorito, dijo Tales, porque tiene un secreto: ese árbol sabe escribir. Solté alguna interjección de desconfianza, y él reafirmó: es la pura verdad, mirá con atención, está dibujando una jota. De hecho, una de las ramas, animada por el viento sinuoso, trazó un semicírculo en la tierra y, después, empujada por una racha más enérgica, siguió tangencialmente por casi dos metros, trazando un fragmento de recta. ¿Viste?, exultaba el muchacho. Es una jota. En una coreografía improbable, las ramas se sacudían en el suelo, borrando la letra recién escrita a tiempo para bosquejar otra. Acompañé, con ojos ávidos, la circunvalación que traía a luz el nuevo símbolo, intentando preverlo: sí, creo que lo percibo, ahora parece un ocho acostado; ¿será el infinito? Tales me miró fijamente, serio, y el titileo tristón de la tarde que moría le daba una expresión más acentuada, casi femenina, casi pueril: no, no es; de aquí de donde estoy, parece ser más una e, una e tironiana. El aire se revolvió alrededor de nosotros, silbando medias palabras, y dos ramas arañaron el piso en perpendiculares. Una te, gritamos juntos. Y reímos. De repente, todo el árbol se convulsionó al viento, doblando sus toneladas de leña y savia para entregar más y más ramajes a la urgencia de la escritura, su caligrafía del espanto. Los nuevos signos, casi ilegibles por la poca iluminación, eran muchos, diversos, confusos. Tales se rascó la cabeza: no estoy entendiendo nada. En un destello, comprendí: está hablando conmigo, son letras hebraicas: yud, resh, álef. ¿Y qué quiere decir?, restaba apenas la voz temblorosa de Tales, pues la noche consumada le robaba el semblante. Se lee yare, pero no me acuerdo lo que significa.
Começou uma algazarra perto da casa. O pessoal vai para a praça, sussurrou o menino; vai comigo? Levantamos aos pulos, e eu respondi que preferia ficar. Não, vai comigo, sem você não vai ter graça, por favor. Nesse momento, escutamos a rouquidão etílica de Heron chamando pelo filho. Quando já havíamos corrido de volta metade do caminho, deparamos com ele, acompanhado pelo caseiro. Carregavam lanternas. Um facho de luz veio bater direto no meu rosto – e ali ficou. Espremi os olhos. Por onde andavam?, era a fala rascante de Heron, exasperada pela instabilidade do próprio gênio, pela bebida e por algo mais. Tales arriscou algumas palavras, mas foi cortado pelo caseiro: eu avisei que tinham vindo para esses lados. A claridade enfim descolou-se de minha face; ergui as pálpebras com vagar e constatei que o foco descia pelo meu peito, pelo ventre, indo deter-se logo abaixo da cintura. Vamos para a praça, ande. Não quero ir, pai. Não perguntei se você quer; vamos. De onde estávamos, já era possível ver a casa a espargir, através das janelas, uma luminescência alaranjada por todo o pátio e sobre a caminhonete estacionada ao lado. O menino voltou-se para mim, mas eu não consegui divisar seus olhos. Fantasiei-os suplicantes. Sua tia está chamando. Podem ir, vou ficar aqui. O veículo acendeu os faróis, e pude contar, pelo menos, oito pessoas aboletadas na caçamba. Uma delas pulava e sacudia os braços, soltando gritinhos; era tia Vânia, colocando em definitivo teste as molas do sistema de suspensão. Um segundo antes de Heron pegar Tales pelo braço e arrastá-lo para longe, achei ter ouvido um por favor com efluência de prece. E era para mim.
Comenzó un alboroto cerca de la casa. La gente va para la plaza, susurró el muchacho; ¿venís conmigo? Nos levantamos de un salto, y respondí que prefería quedarme. No, vení conmigo, sin vos no va a tener gracia, por favor. En ese momento, escuchamos la ronquera etílica de Heron llamando a su hijo. Cuando ya habíamos corrido la mitad del camino de vuelta, nos topamos con él, acompañado por el casero. Cargaban linternas. Un rayo de luz me dio directo en la cara —y allí quedó—. Apreté los ojos. ¿Por dónde andaban?, era el habla rasposa de Heron, exasperada por la inestabilidad del propio genio, por la bebida y por algo más. Tales arriesgó algunas palabras, pero fue interrumpido por el casero: yo avisé que habían venido para estos lados. La claridad finalmente se despegó de mi rostro; erguí los párpados lentamente y constaté que el foco bajaba por mi pecho, por el vientre, yendo a detenerse bien abajo de la cintura. Vamos a la plaza, caminá. No quiero ir, papá. No pregunté si querías; vamos. Desde donde estábamos, ya era posible ver la casa irradiar, a través de las ventanas, una luminiscencia anaranjada por todo el patio y sobre la camioneta estacionada al lado. El muchacho se volvió hacia mí, pero no pude divisar sus ojos. Los imaginé suplicantes. Tu tía está llamando. Vayan, me voy a quedar aquí. El vehículo prendió las luces, y pude contar, por lo menos, ocho personas apiñadas en la cacharra. Una de ellas saltaba y sacudía los brazos, soltando grititos; era la tía Vânia, poniendo a rigurosa prueba los amortiguadores del sistema de suspensión. Un segundo antes que Heron agarrara a Tales del brazo y lo arrastrara lejos, me pareció haber oído un por favor con efluvio de plegaria. Y era para mí.
Quando cheguei ao terreiro, o pó levantado pela caminhonete em sua arrancada ainda alvoroçava as galinhas. Devagar, instalou-se uma quietude sem medida, como se meu peito não se afligisse, como se não fosse carnaval. Atravessei o portão e segui pela estrada, guiado por impulso e pelas fagulhas de fogos de artifício quase emudecidos pela distância. A vegetação retorcida ao longo da rodovia tinha aspecto inquisidor, e eu temia que ela me pudesse ler os pensamentos, descobrindo que Tales e eu nos reconhecíamos mutuamente, que a um era concedido revisitar o passado enquanto ao outro se mostrava um recorte do futuro, porque a perfídia dos comentários familiares, em vez de alimentar desconfiança ou desprezo, apenas inflamava nossa curiosidade e um desejo de comunhão.
Em cerca de meia hora, eu estava no centro da cidade. Barracas de comida e pequenos comércios de roupa e artesanato enfeitavam a rua comprida. As pessoas estouravam rojões, subiam e desciam pela via, sacudindo matracas. Em meio à confusão, uns minguados carros já eram suficientes para um congestionamento; as motos, no entanto, nunca paravam – acelerando, buzinando, sempre um homem e uma mulher em cima. Becos despejavam pessoas na praça, incessantemente. De lá, em estrondos, espalhava-se uma música indecisa entre a batida eletrônica e o frevo, e as ondas sonoras revolviam a poeira branca que a tudo abarcava e cuja densidade permitia somente
Cuando llegué al terreno, el polvo levantado por la camioneta en su arranque todavía alborotaba las gallinas. Lentamente, se instaló una quietud sin medida, como si mi pecho no se afligiera, como si no fuera carnaval. Atravesé el portón y seguí por el camino, guiado por el impulso y por las chispas de los fuegos artificiales casi enmudecidos por la distancia. La vegetación retorcida a lo largo de la carretera tenía un aspecto inquisidor, y yo temía que me pudiera leer los pensamientos, descubriendo que Tales y yo nos reconocíamos mutuamente, que a uno le era concedido revisitar el pasado mientras que al otro se le mostraba un recorte del futuro, porque la perfidia de los comentarios familiares, en vez de alimentar desconfianza o desprecio, apenas inflamaba nuestra curiosidad y un deseo de comunión.
En aproximadamente media hora, estaba en el centro de la ciudad. Puestos de comida y pequeños comercios de ropa y artesanías adornaban la calle larga. La gente estallaba petardos, subía y bajaba por la vía, sacudiendo matracas. En medio de la confusión, unos pocos coches ya eran suficientes para un congestionamiento; las motos, sin embargo, nunca paraban —acelerando, bocinando, siempre un hombre y una mujer arriba—. Los callejones volcaban gente en la plaza, incesantemente. De allí, en estruendos, se esparcía una canción indecisa entre los ritmos electrónicos y el frevo, y las ondas sonoras revolvían el polvo blanco que todo abarcaba y cuya densidad permitía adivinar solamente
adivinhar os contornos da igrejinha, ao fundo. Já não podia chegar mais perto se não quisesse me sujar, e tudo o que eu enxergava era um bailar mal ensaiado de centenas de seres que pareciam fantasmas. Alguns, cobertos de farinha dos pés à cabeça, já se desprendiam da multidão e rumavam para as ruas laterais. Afastado como eu estava, era quase impossível distinguir alguém entre tantas pessoas esbatidas naquela unânime alvura. Eu me preparava para retornar à chácara quando, em golpe de pleno serendipismo, dei com Tales sentado à beira de uma calçada, os cotovelos fincados nos joelhos, a cabeça baixa, os dedos trançados atrás da nuca. Assim que o chamei, deixou os braços penderem ao longo do corpo e devassou-me com as pupilas ávidas, mesmo que as lágrimas obliterassem um tanto da sede. O que está fazendo aí? Por que não está se divertindo?, perguntei. Meu primo chorava em silêncio. Fiz menção de sentar ao seu lado, e só então ele falou: vá embora; eles não iam gostar de me ver falando com você. As palavras que me repeliam conflitavam com o que havia encriptado no olhar. Tales estava aprisionado em tristeza e temor, e o veneno que lhe haviam instilado falava por ele: por favor, vá embora. Enquanto eu me afastava, vi o menino encolher-se todo, como se a festa, a música, a maresia e o não pertencimento pesassem mundos.
los contornos de la pequeña iglesia, al fondo. Ya no podía llegar más cerca si no quería ensuciarme, y todo lo que veía era un baile mal ensayado de centenas de seres que parecían fantasmas. Algunos, cubiertos de harina de pies a cabeza, se desprendían de la multitud y rumbeaban hacia las calles laterales. Alejado como estaba, era casi imposible distinguir a alguien entre tantas personas desvanecidas en aquella unánime albura. Me aprontaba para retornar a la chacra cuando, en un golpe de serendipia, me topé con Tales sentado en el borde de la acera, los codos clavados en las rodillas, la cabeza baja, los dedos trancados atrás de la nuca. Cuando lo llamé, dejó pender los brazos a lo largo del cuerpo y me escrutó con las pupilas ávidas, como si las lágrimas obliterasen un tanto de la sed. ¿Qué estás haciendo ahí? ¿Por qué no estás divirtiéndote?, pregunté. Mi primo lloraba en silencio. Propuse sentarme a su lado, y solo entonces habló: andate; a ellos no les va a gustar verme hablando contigo. Las palabras que me repelían conflictuaban con lo que había encriptado en su mirada. Tales estaba aprisionado en tristeza y temor, y el veneno que le habían instilado hablaba por él: por favor, andate. Mientras me alejaba, vi al muchacho encogerse por completo, como si la fiesta, la música, el aroma de mar y la no pertenencia pesasen mundos.
Voltei à casa, apanhei minha mochila, pedi ao caseiro instruções de como pegar um ônibus para a capital e parti sem pensar em mais nada. Com o dinheiro que trouxera, pude ficar uma semana hospedado na capital. Visitei pontos turísticos, aventurei-me em bares e boates; quando menos esperava, pegava-me pensando em Tales. Evitei ligar para minha mãe; conversamos apenas uma vez, quando me vi obrigado a atender a um telefonema seu depois de recusar cinco chamadas. Para minha surpresa, ela acreditava que eu ainda estava com meus tios: tia Vânia não havia ligado para ela. No dia marcado, voltei para o sul. As notícias sobre os parentes escassearam, e assim passaram-se anos.
O motorista da empresa chama, apontando o relógio em seu pulso, despertando-me para o agora: doutor, precisamos ir; temos que devolver o carro na companhia antes de terminar o expediente, e ainda tem o tempo de estrada até a capital. Em um ímpeto, ordeno: vá sozinho, eu vou ficar aqui e, depois, dou um jeito de conseguir condução. Ele ainda insiste para que retornemos de imediato, mas permaneço irredutível: preciso rever o tamarindo – na hora certa, a hora em que o sol foge e o vento faz a volta em cima do mar. Assim que o carro parte, saio do sobrado e me dirijo ao caseiro: sei que há um tamarindo muito grande e antigo aqui, bem no meio do terreno; vou dar uma olhada nele. O velho se oferece para mostrar o caminho; eu, porém, recuso, explicando que sei o trajeto, e deixo-o para trás, atônito, cercado pelas galinhas.
Volví a la casa, agarré la mochila, pedí al casero instrucciones sobre cómo tomar el ómnibus a la capital y partí sin pensar en nada más. Con el dinero que traje, pude quedarme una semana en la capital. Visité puntos turísticos, me aventuré en discotecas y bares; cuando menos lo esperaba, me encontraba pensando en Tales. Evité llamar a mi madre; hablamos solo una vez, cuando me vi obligado a atender el teléfono después de rechazar cinco llamadas. Para mi sorpresa, ella creía que todavía estaba con mis tíos: la tía Vânia no la había llamado. El día marcado, volví al sur. Las noticias sobre los parientes escasearon, y así se pasaron años.
El chofer de la empresa me llama, señalando el reloj en su muñeca, despertándome al presente: patrón, tenemos que irnos, debemos devolver el auto en la compañía antes de terminar el turno, y todavía queda tiempo de ruta hasta la capital. Impetuosamente, ordeno: vaya solo, me quedaré aquí y, después, me las arreglo para conseguir transporte. Él aún insiste para que volvamos de inmediato, pero permanezco irreductible: necesito rever el tamarindo —en el momento preciso, el momento en el que el sol huye y el viento da la vuelta encima del mar—. Enseguida que el auto parte, salgo de la casa y me dirijo al casero: sé que hay un tamarindo muy grande y antiguo aquí, bien al medio del terreno; voy a darle una ojeada. El viejo se ofrece para mostrarme el camino; yo, sin embargo, me niego, explicando que sé el trayecto, y lo dejo atrás, atónito, cercado por las gallinas.
Enquanto me embrenho entre as árvores, sorvendo o seu cheiro agreste e cítrico, invade-me um torpor de sonho recorrente, as mesmas sensações, os mesmos espasmos, com a expectativa íntima de que, no entanto, ao final, insurja o assombro. Contudo, a esperada imagem do secular tamarindo, amortalhado pelo crepúsculo, basta para fazer eclodir, em mim, admiração e reverência. É como se eu estivesse aqui pela primeira vez, como se, por todos esses anos, eu me achasse sepultado no ventre de um monstro, sendo por ele arrastado a abismos submersos para somente agora enfrentar os elos do inevitável. O êxtase do reencontro é interrompido pelo toque do telefone celular: minha esposa chamando. Demoro alguns segundos até decidir desligar o aparelho – eu não quero escutar sua voz, entreouvir o ciúme sem objeto claro, ser crivado com as mesmas perguntas que se repetem todos os dias desde que eu me mudei: já conseguiu um apartamento para nós? Eu e as crianças estamos esperando; quando você vem nos buscar?
Mientras me interno entre los árboles, sorbiendo su aroma agreste y cítrico, me invade un estupor de sueño recurrente, las mismas sensaciones, los mismos espasmos, con la expectativa íntima de que, no obstante, al final surja el asombro. Sin embargo, la esperada imagen del secular tamarindo, amortajado por el crepúsculo, basta para hacer eclosionar, en mí, admiración y reverencia. Es como si estuviera aquí por primera vez, como si, en todos estos años, yo estuviese sepultado en el vientre de un monstruo, siendo por él arrastrado a abismos sumergidos solamente para ahora enfrentar las secuencias de lo inevitable. El éxtasis del reencuentro es interrumpido por el sonido del teléfono celular: mi esposa llamando. Demoro unos segundos hasta decidir apagar el aparato; no quiero escuchar su voz, entreoir los celos sin objeto claro, ser acribillado con las mismas preguntas que se repiten todos los días desde que me mudé: ¿ya conseguiste un apartamento para nosotros? Los niños y yo estamos esperando; ¿cuándo nos venís a buscar?
Sua meiguice de mulher e sua dependência me torturam. Ela é alguém que compartilha de minha vida sem que eu possa, no entanto, perante ela, desnudar-me de todas as armaduras e máscaras; é uma presença constante que, sem ter culpa disso, me intimida e faz-me temer meus próprios sentimentos. Um judeu que não tem esposa vive sem alegria, sem bênção, sem bondade e sem paz – assim me diziam quando eu repudiava a ideia do casamento, assim aconselhavam os mesmos que me desencorajaram de dedicar meus anos sobre a Terra ao labirinto dos números, à extravagância de certas geometrias, a hipóteses e conjecturas carentes de demonstração. Empurraram-me, assim, para uma rota previsível que eu trilho sem vontade ou ilusões. De repente, a voz de Tales: não é bom deixar os outros dizerem o que você deve fazer. Eu o enxergo de novo ao meu lado, eternizado em sua beleza infantil (por onde anda? será que é feliz?); e, naqueles olhos de febre, naquela pele tão morena e lisa, no sorriso envolto em sortilégios, plasmam-se os acenos sem alento do meu passado irredimível e do futuro que dele poderia emanar (mas que nunca foi), dando adeus a tudo o que se transformou em cinzas para formar os ossos, os músculos, os nervos e o espírito combalido que, agora, dez anos depois, se prostram aos pés desta árvore que logo será derrubada, arrancada da terra em seu desespero de raízes expostas,
Su ternura de mujer y su dependencia me torturan. Ella es alguien que comparte mi vida sin que pueda, no obstante, ante ella, despojarme de todas mis armaduras y máscaras; es una presencia constante que, sin tener la culpa, me intimida y me hace temer de mis propios sentimientos. Un judío que no tiene esposa vive sin alegría, sin bondad y sin paz: así me decían cuando yo repudiaba la idea del casamiento, así aconsejaban los mismos que me desestimulaban a dedicar mis años sobre la Tierra al laberinto de los números, a la extravagancia de ciertas geometrías, las hipótesis y conjeturas carentes de demostración. Me empujaron, así, hacia una ruta previsible que transito sin ganas o ilusiones. De repente, la voz de Tales: no es bueno dejar que los otros digan lo que tenés que hacer. Y lo veo de nuevo a mi lado, eternizado en su belleza infantil (¿por dónde anda?, ¿será feliz?); y, en aquellos ojos de fiebre, y aquella piel tan morena y tersa, en la sonrisa envuelta en sortilegios, se plasman los gestos sin aliento de mi pasado irredimible y del futuro que de él podría emanar (pero que nunca fue), dando adiós a todo lo que se transformó en cenizas para formar los huesos, los músculos, los nervios y el espíritu abatido que, ahora, diez años después, se postran a los pies de este árbol que inmediatamente será derrumbado, arrancado de la tierra en su desespero de raíces expuestas,
porque eu simplesmente executo os projetos, sigo caminhos definidos por outros e também porque eu já não consigo compreender uma letra sequer do que o tamarindo, enfim, açoitado pela viração, escreve diante dos meus olhos – talvez uma despedida, um pedido de misericórdia, uma imprecação cheia de ódio. Mas eu não entendo. São garatujas desconexas, hieróglifos jogados ao léu, que, no entanto, guardam aspecto de coisa um dia conhecida. Algo em mim se perdeu, e eu já não sei mais ler.
porque yo simplemente ejecuto los proyectos, sigo caminos definidos por otros y también porque ya no puedo comprender una letra siquiera de lo que el tamarindo, por fin, azotado por la virazón, escribe delante de mis ojos —tal vez una despedida, un pedido de misericordia, una imprecación llena de odio—. Pero no entiendo. Son garabatos incoherentes, jeroglíficos lanzados al azar, que, no obstante, guardan el aspecto de algo un día conocido. Algo en mí se perdió, y ya no sé leer.
Traducido por Leticia Lorier y Manuela Pequera