Pedro Gonzaga é uns dos grandes representantes das letras contemporâneas do sul do Brasil. Natural de Porto Alegre, além de escritor e tradutor, é músico e radialista, atuando no campo do jornalismo cultural.
Como tradutor literário, atualmente Pedro é reconhecido como um dos principais tradutores no Brasil de Charles Bukowski. Mas seu trabalho não se restringe à língua inglesa, ele também vem trabalhando com o par de línguas espanhol — português, ao traduzir ao português o grande romance do uruguaio Mario Benedetti, La tregua. Isso reafirma mais uma vez a inegável ligação entre as literaturas uruguaia e brasileira, que parece mais próxima entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul.
Sua paixão pela literatura o levou a explorar a escrita criativa com adultos. Produto desse trabalho em oficina é a coletânea, apresentada nesta edição de Pontis, de contos e microcontos, intitulada Escândalos reinventados (Bestiário, 2017). O livro foi editado em conjunto com Dris Sampaio, Fernanda Rosa, Guilherme Almeida, Irka Barrios, Jane Felipe, Leonardo Pereira, Luiza Silva e Marina Wodtke.
Escândalos reinventados, microficção e tradução literária foram alguns dos pontos de nossa conversa.
Como surgiu o projeto?
Surgiu a partir das afinidades, tanto temáticas quanto pessoais, dos participantes de uma oficina de escrita que ministro há alguns anos já em Porto Alegre. Seguindo especialmente as diretrizes da Jane Felipe, da Marina Wodtke e da Irka Barrios, o livro logo foi pra frente.
Como se dá o processo de divulgação da obra?
Hoje em dia a divulgação acaba sendo feita em lançamentos e depois nas redes. As livrarias acabaram perdendo espaço nesse sentido, por razões mercadológicas, creio.
Muitos dos textos publicados no livro são microcontos. Por que decidiram incluir este gênero? Qual seria a diferença mais fundamental, quando da recepção, entre contos mais extensos e microcontos, em seu ponto de vista?
Os contos curtos e mesmo os microcontos, a meu ver, ainda têm muita potência criativa e permitem explorar técnicas e temas com a máxima economia. Dentro da coletânea terminaram por ocupar um bom espaço pelo resultado que obtiveram nas leituras públicas anteriores ao livro. Mesmo com algum tempo já passado do lançamento, tenho a impressão de que continuam muito bons.
A circulação de literatura traduzida do sul do Brasil é bastante restrita no Uruguai, bem como a uruguaia o é no Brasil. Quais podem ser os possíveis motivos dessa situação e o que poderia ser feito para estimular o intercâmbio de literaturas entre os dois países?
É uma pergunta-chave. Tenho a impressão de que é uma surdez e uma cegueira que só se explicam por esse isolamento continental do Brasil. Aqui no Rio Grande do Sul há uma receptividade melhor da literatura uruguaia em relação ao resto do país, e um relativo intercâmbio, especialmente nas figuras de Sergio Faraco e Aldyr Schlee, do nosso lado, e Mario Arregui, Benedetti (de quem traduzi La tregua), Felisberto Hernández, Idea Vilariño, Onetti, e recentemente o Levrero. Também tive sorte de ter alguns poemas traduzidos para o espanhol pelas mãos do saudoso Washington Benavides. Mas iniciativas como a da Pontis quem sabe possam paulatinamente romper essa situação de vizinhos que tão pouco conversam.
Qual o papel da tradução a respeito do “avanço aniquilador do tempo”, conforme mencionado na Apresentação da coletânea?
Tenho, para mim, que a tradução é sempre como a laca, pode fazer brilhar um original, mas tende a descascar com o tempo. No entanto, é uma atividade fundamental para a literatura, e acho que toda a versão, mesmo que tenha defeitos, é uma ponte para o outro, para uma outra língua. Então deixemos o tempo agir, sem medo de que o desgaste apareça, como nas belas lacas orientais.
Na apresentação da coletânea, você faz o que chama de “indução de leitura”, que funciona como um espécie de miniguia para compreender a escrita de cada um dos autores do livro. Como seria esse mesmo exercício de indução para a leitura dos textos selecionados nesta edição de Pontis, a saber, “Conto do vigário”, “O falsário do concerto”, “A janela do quarto”, “13 de dezembro”, “Fins”, “Potência”, “Tio”, “Extraterrestre?”, “Vou contar exatamente…” e “Fluxo lento”?
Em primeiro lugar, queria louvar a iniciativa da Pontis de traduzir um corpo significativo de contos do livro, permitindo que a amplitude de vozes do original fosse mantida. Depois, gostaria de evitar essa nova indução, que ali parece fazia mais sentido, caso o leitor entrasse na obra por essa espécie de hall. Sem querer praticar um spoiler individual, opto por uma revelação mais coletiva, dizendo aos leitores da revista que haverá nos textos um conjunto de virtudes que eu resumiria como malícia, sacanagem, peripécias à brasileira, fantasias macabras e até futuristas. O humor e a sensação de absurdo da experiência humana seriam duas boas chaves para a grande porta atrás da qual estão esses contos.
Você afirma que a escrita na oficina implicou um processo de desprendimento do autor para com o texto, o que possibilitou “entender as críticas como algo material e não pessoal”. Levando em conta que, em Pontis, adotamos um procedimento de tradução colaborativa, no qual a crítica de outros tradutores faz parte da essência do processo tradutório, como você concebe a colaboração entre autor e tradutor?
Há algo mais interessante na escrita, depois do ler e do escrever, do que o processo colaborativo? Por isso, só há que louvar o procedimento da Pontis. Das poucas coisas que posso dizer que aprendi sobre escrita, aprendi-as durante as oficinas ou nas traduções a quatro mãos de que tive oportunidade de participar. Na escolha das palavras, no desenho das frases, o diálogo com o parceiro de empreitada nos obriga a pensarmos em cada escolha, assim fortalecendo ou relativizando nossas próprias concepções de literatura. Como quer que seja, o resultado terá passado por mais leitores do que na tradução solitária.
*
*