Potência Irka Barrios O geriatra ensinou: — Dividir em três partes, tomar uma. ...
Irka Barrios
O geriatra ensinou:
— Dividir em três partes, tomar uma.
Meia hora depois, nada do efeito. Evaldo pegou mais água e engoliu o que restava na caixa de remédios. O coração podia fracassar; o encontro, jamais.
Irka Barrios
El geriatra indicó:
—Partir en tres partes iguales, tomar una.
Media hora después, ningún efecto. Evaldo se sirvió más agua y se tragó lo que quedaba en la caja de remedios. El corazón podía fracasar; el encuentro, jamás.
Traducción de Verónica Machado.
Fernanda Rosa
As manhãs de domingo são sempre as mais entediantes da semana. Não entendo por que as pessoas reclamam tanto da segunda-feira, quando é a manhã de domingo a mais chata de todas. Tinha planejado dormir até o início da tarde, mas a mudança do vizinho do prédio ao lado acabou com meus planos.
Espio pelas cortinas mais uma vez: gostava mais da sacada do antigo morador que se mudou quando as primeiras flores da estação bateram o ponto na cidade de Porto Alegre. Tinha um ar hipster que o Bairro Bom Fim agora vende. Eu nem sei bem o que hipster significa, mas pra mim a sacada com uma ilustração na parede à direita, com a grade de proteção enfeitada com pequenos vasos adornados com gravuras antigas, só com terra, sem flores, nem temperos, nem nada, era muito mais interessante. Completava a decoração do antigo dono uma cadeira Barcelona preta, daquelas que parecem banco, sem encosto. Sempre sonhei ter uma cadeira Barcelona, mas nunca tive coragem de desembolsar o valor para ter uma.
Fernanda Rosa
Las mañanas de domingo siempre son las más tediosas de la semana. No entiendo por qué la gente se queja tanto del lunes, cuando la mañana del domingo es la más aburrida de todas. Había planeado dormir hasta el comienzo de la tarde, pero la mudanza del vecino del edificio de al lado acabó con mis planes.
Espío por las cortinas una vez más: me gustaba más el balcón del antiguo vecino que se mudó cuando las primeras flores de la estación marcaron tarjeta en la ciudad de Porto Alegre. Tenía un aire hipster que ahora vende el barrio Bom Fim. Yo ni siquiera sé bien qué significa hipster, pero para mí el balcón con una ilustración en la pared a la derecha, con la baranda decorada con pequeñas macetas adornadas con grabados antiguos, solo con tierra, sin flores, ni especias, ni nada, era mucho más interesante. Completaba la decoración del antiguo dueño una silla Barcelona negra, de esas que parecen bancos, sin respaldo. Siempre soñé con tener una silla Barcelona, pero nunca me animé a desembolsar la cantidad necesaria para tener una.
Nunca tive coragem de trocar de emprego e abandonar a estabilidade da vida pública. Nunca andei numa moto, nem peguei carona com um estranho. Nunca pintei os cabelos de vermelho, nem os usei curtos.
Lembro bem do dia em que meu vizinho fez a ilustração. Ele havia se mudado algumas semanas antes, num dia quente e úmido, desses que fazem a gurizada apelidar a cidade de “forno alegre”. Logo que se mudou, no início por curiosidade, depois por admiração, passei a observá-lo pela fresta das cortinas do meu quarto. Meu apartamento ficava na esquina da Rua Henrique Dias com a Rua Felipe Camarão. Minha sacada da sala mirava a agitação do bairro, mas a janela do meu quarto era oposta, de frente ao prédio vizinho. Os prédios, construídos muito próximos, tanto que, quando me mudei, desconfiava que não fossem de acordo com a legislação. Meu vizinho se mudou poucas semanas depois de mim. E observá-lo era parte da minha rotina na casa nova: levantar, espiar, escovar dentes, lavar o rosto, me maquiar. Aí, então, eu abria bem minhas cortinas.
Ainda fazia calor quando ele passou uma manhã de domingo lavando a parede, que já era branca, porém muito encardida. Já passava das doze horas quando deu o trabalho por terminado. Imaginei que era esse o objetivo e fui preparar algo para comer. Fiquei surpresa e com raiva de mim mesma por não ter espionado a janela mais cedo.
Nunca me animé a cambiar de trabajo y abandonar la estabilidad de la vida pública. Nunca anduve en una moto ni hice dedo. Nunca me teñí el pelo de rojo ni lo usé corto.
Me acuerdo bien del día que mi vecino hizo la ilustración. Él se había mudado algunas semanas antes, un día caliente y húmedo, de esos que hacen que la gurizada apode la ciudad «horno alegre». Apenas se mudó, al principio por curiosidad, después por admiración, empecé a observarlo por la rendija de las cortinas de mi cuarto. Mi apartamento quedaba en la esquina de Henrique Dias y Felipe Camarão. El balcón del living miraba el movimiento del barrio, pero la ventana de mi cuarto quedaba del otro lado, frente al edificio vecino. Los edificios, construidos muy cerca uno del otro, tanto que cuando me mudé dudaba de que estuvieran de acuerdo con la normativa. Mi vecino se mudó pocas semanas después que yo. Y observarlo era parte de mi rutina en la casa nueva: levantarme, espiar, lavarme los dientes, lavarme la cara, maquillarme. Recién entonces abría bien mis cortinas.
Todavía hacía calor cuando él pasó una mañana de domingo lavando la pared, que ya era blanca, aunque estaba muy percudida. Ya eran más de las doce cuando dio el trabajo por terminado. Imaginé que era ese el objetivo y fui a preparar algo para comer. Me quedé sorprendida y con rabia de mí misma por no haber espiado por la ventana más temprano.
No meio da tarde, em pleno calor, o vizinho desenhava incansavelmente a parede branca. Os desenhos fantasiosos, misturando arte oriental e mitologia antiga, eram composições de traços inquietantes sobre a natureza, a vida, os sonhos e os sentimentos, num mundo imaginário seu, onde da fronte de uma mulher podiam nascer até pássaros. Cada desenho parecia ter vida própria, como se brotasse da sua mão e não da sua cabeça. Ele não conseguiu concluir antes de escurecer. Quando chegou na metade superior da parede, parou, deu os únicos dois passos para trás que o espaço da sacada lhe permitia e ficou olhando o trabalho por muitos minutos. Então entrou no seu apartamento e apagou a luz. Passaram-se semanas e semanas, e a parede permanecia incompleta. Eu chegava a ficar angustiada no pesado trânsito do fim de tarde, com medo de abrir as cortinas e ver o desenho acabado. Eu queria ver ele terminar, performar o seu show. Nem nas poucas vezes em que fui ao teatro tinha presenciado tamanha paixão. E a sua figura também me intrigava. Sempre com a barba por fazer e cabelos castanhos desalinhados, o suficiente para compor seu personagem de homem moderno que veste terno com tênis All Star. Um tipo que normalmente não me atraía. Namorei médico, advogado, gerente de banco e meu último caso tinha sido com um funcionário da Receita Federal.
En el medio de la tarde, en pleno calor, el vecino dibujaba incansablemente en la pared blanca. Los dibujos fantasiosos, mezcla de arte oriental y mitología antigua, eran composiciones de trazos inquietantes sobre la naturaleza, la vida, los sueños y los sentimientos, en un mundo imaginario suyo, donde de la frente de una mujer podían nacer hasta pájaros. Cada dibujo parecía tener vida propia, como si brotara de su mano y no de su cabeza. No pudo terminar antes de que oscureciera. Cuando llegó a la mitad superior de la pared, paró, dio los únicos dos pasos para atrás que el espacio del balcón le permitía y se quedó mirando el trabajo por varios minutos. Entonces entró a su apartamento y apagó la luz. Pasaron semanas y semanas y la pared permanecía incompleta. Yo llegaba a angustiarme en el pesado tránsito del final de la tarde, con miedo de abrir las cortinas y ver el dibujo terminado. Quería verlo terminar, ejecutar su performance. Ni siquiera las pocas veces que fui al teatro había presenciado tamaña pasión. Y su figura también me intrigaba. Siempre con la barba de tres días y el pelo castaño desaliñado, lo suficiente para componer su personaje de hombre moderno que usa traje con championes All Star. Un tipo de hombre que normalmente no me atraía. Salí con médicos, abogados, gerentes de banco y mi último romance había sido con un funcionario de un ministerio.
As folhas cobriam as calçadas da cidade como um tapete mesclado do amarelo escuro ao marrom, passando por diversos tons de laranja, quando, mais uma vez, num domingo muito cedo ainda, eu o ouvi chegar. Provavelmente de alguma festa do bairro. Sentou-se na cadeira Barcelona e ficou esfuracando a mão direita. Calos, certamente. Descuidada, derrubei a cúpula do abajur da mesa de cabeceira e, num misto de indecisão de me abaixar ou me deixar ver, peguei o vizinho me encarando. Logo hoje. Eu tinha acabado de acordar, cabelos bagunçados, provavelmente estava com os olhos inchados e, o pior de tudo, vestindo um pijama de flanela. Não tive escolha, dei um meio sorriso torto, levantei a mão e, com um abano desengonçado, girei nos calcanhares e fugi pra dentro do apartamento. Não tive coragem de voltar às cortinas novamente naquele domingo.
Na manhã seguinte, já arrumada para o trabalho, ao abrir as janelas, fiquei paralisada com o cartaz na sacada do vizinho que dizia: “Pintura da minha parede ao vivo nesse sábado, 14h”.
E a parede branca novamente. Quase desmaiei. O pensamento de que ele sabia que eu o olhava todos os dias marretava meu cérebro. Minha cabeça incendiava tamanha a vergonha. Passei a semana sem ligar a luz do quarto ou abrir as cortinas.
Las hojas cubrían las veredas de la ciudad como una alfombra que iba del amarillo oscuro al marrón, pasando por diversos tonos de anaranjado, cuando, una vez más, un domingo todavía muy temprano, lo escuché llegar. Probablemente de alguna fiesta del barrio. Se sentó en la silla Barcelona y empezó a escarbarse la mano derecha. Callos, seguramente. Descuidada, tiré la pantalla de la lámpara de la mesa de luz y, en una mezcla de indecisión entre agacharme o dejarme ver, me encontré al vecino mirándome fijo. Justo hoy. Recién me había despertado, el pelo todo revuelto, probablemente estaba con los ojos hinchados y, lo peor de todo, con un pijama de franela. No tuve opción, le lancé una sonrisita falsa, levanté la mano y, dando un torpe saludo, giré sobre mis tobillos y huí hacia adentro del apartamento. No me animé a volver a las cortinas de nuevo aquel domingo.
A la mañana siguiente, ya arreglada para el trabajo, al abrir las ventanas, me quedé paralizada con el cartel en el balcón del vecino que decía: «Pintura de mi pared en vivo este sábado, 14 h».
Y la pared blanca nuevamente. Casi me desmayo. El pensamiento de que él sabía que yo lo miraba todos los días me carcomía el cerebro. Mi cabeza se prendía fuego de tanta vergüenza. Pasé toda la semana sin prender la luz del cuarto ni abrir las cortinas.
O sábado chegou e, com ele, uma manhã mais fria que o normal para a época. Eu ainda não tinha decidido o que fazer. Mantive o quarto no escuro e fui para a minha sala. E quanto mais os minutos passavam, mais eu afundava no sofá. Ancorada e protegida da tempestade de sentimentos que a janela do quarto agora representava. Queria contar que eu respirei fundo e abri a janela. Eu teria sorrido e me apresentado:
— Oi, me chamo Joana! E tu?
A janela, as cortinas, o quarto. Todo o ambiente materializava a minha falta de coragem. Eu tinha tanta raiva daqueles treze metros quadrados, que dormi várias semanas encolhida no sofá da sala depois daquele sábado. Mas os dias estavam mais e mais frios. E, numa terça-feira gelada qualquer, voltei a habitar meu quarto.
Na semana seguinte, apesar da ventania quase opressora na minha janela, acordei diferente. Eu queria muito ver aquela parede, a barba por fazer e os cabelos desalinhados voando. Pulei da cama e abri as cortinas. E fiquei ali congelada por séculos admirando a nova ilustração da parede branca. Agora, quase uma tela, a imagem centralizava no fundo um coração. Não desses que meninas desenham nos cadernos, mas o coração, o órgão de verdade, mesclado com flores e asas.
El sábado llegó y con él una mañana más fría que lo normal para la época. Yo todavía no había decidido qué hacer. Mantuve el cuarto a oscuras y fui para el living. Y cuanto más pasaban los minutos, más me hundía en el sofá. Anclada y protegida de la tempestad de sentimientos que la ventana del cuarto ahora representaba. Preferiría contar que respiré hondo y abrí la ventana. Que sonreí y que me presenté:
—¡Hola, me llamo Joana! ¿Y vos?
La ventana, las cortinas, el cuarto. Todo el ambiente materializaba mi falta de coraje. Sentía tanta rabia de aquellos trece metros cuadrados que dormí varias semanas encogida en el sofá del living después de aquel sábado. Pero los días eran más y más fríos. Y un martes helado cualquiera volví a habitar mi cuarto.
La semana siguiente, a pesar de la ventisca casi opresora en mi ventana, me desperté distinta. Tenía muchas ganas de ver aquella pared, la barba de tres días y el pelo desaliñado volando. Salté de la cama y abrí las cortinas. Y me quedé allí congelada por siglos admirando la nueva ilustración de la pared blanca. Ahora, casi un lienzo, la imagen centraba en el fondo un corazón. No de esos que las adolescentes dibujan en sus cuadernos, sino el corazón, el órgano de verdad, mezclado con flores y alas.
Dentro dele, a figura de uma mulher de olhos fundos, cabelos longos e ondulados, nariz retilíneo e lábios expressivos. Seu pescoço, quase um pedestal, adornado por imagens de colunas gregas com arabescos característicos em tons de magenta. Na cabeça dela, um capacete estilizado das armaduras antigas, tipo os das imagens de Joana D’Arc. E, no alto do capacete, nascia chifre de unicórnio. Havia uma infinidade de detalhes e riqueza de cores e texturas. O fundo de raios de sol ouro por trás do coração, a roupa de armadura feita de escamas verde esmeralda, a profundidade do olhar azul. Algo que não se pinta numa tarde de sábado.
Passei a me deixar ser vista propositalmente, mas raramente cruzava com ele na janela. Nunca consegui iniciar uma conversa. Trocamos mais alguns abanos e acenos de cabeça, mas nunca nos apresentamos. Ele se mudou num dia frio e cinza, desses que fazem as pessoas acreditarem que vai nevar na cidade. Desses que congelam sentimentos no peito e fazem você se encolher a ponto de sumir da vista das pessoas. Por um tempo eu ainda abria a janela e as cortinas.
Gostava de admirar a imagem da parede. Sempre pensava em fotografar. Num domingo ensolarado, retornando de uma viagem rápida durante o feriado da Revolução Farroupilha, me deparei com a tal parede pintada toda de branco.
Dentro de él, la figura de una mujer de ojos profundos, pelo largo y ondulado, nariz rectilínea y labios expresivos. Su cuello, casi un pedestal, adornado por imágenes de columnas griegas con arabescos característicos en tonos de magenta. En su cabeza, un casco estilizado de las armaduras antiguas, como los de las imágenes de Juana de Arco. Y en lo alto del casco nacía un cuerno de unicornio. Había una infinidad de detalles y riqueza de colores y texturas. El fondo de rayos de sol oro por detrás del corazón, la ropa de la armadura hecha de escamas verde esmeralda, la profundidad de la mirada azul. Algo que no se pinta en una tarde de sábado.
Empecé a dejarme ser vista a propósito, pero raras veces me cruzaba con él en la ventana. Nunca logré empezar una conversación. Intercambiamos algunos saludos y gestos de cabeza más, pero nunca nos presentamos. Él se mudó un día frío y gris, de esos que hacen que la gente crea que va a nevar en la ciudad. De esos que congelan sentimientos en el pecho y hacen que te encojas al punto de desaparecer de la vista de las personas. Por un tiempo, yo todavía abría la ventana y las cortinas.
Me gustaba admirar la imagen de la pared. Siempre pensaba en sacarle fotos. Un domingo soleado, al volver de un viaje rápido durante el feriado de la Revolución Farroupilha, me topé con la tal pared pintada toda de blanco.
Ainda se via um resto de desenho por baixo. Certamente dariam mais algumas camadas de tinta. Precisariam de muitas camadas para apagar todas as cores e sentimentos que aquela parede carregava.
Os dias foram se empilhando, o pólen congestionando pessoas e ruas, e, quando dei por mim, um vizinho novo está aqui ao lado, fazendo barulho. Um senhor de idade. Ao invés da cadeira Barcelona, ele enche sua sacada com floreiras compridas tapadas de begônias amarelas. Talvez alguém de quem ele tenha gostado muito gostasse de begônias. Talvez ele goste de begônias.
A janela não me interessa mais. Muito menos as begônias do vizinho.
Todavía se veía un resto de dibujo por debajo. Seguramente le darían algunas manos más de pintura. Precisarían muchas manos para borrar todos los colores y sentimientos que aquella pared cargaba.
Los días se fueron apilando, el polen congestionando personas y calles, y, cuando me doy cuenta, un vecino nuevo está aquí al lado, haciendo barullo. Un señor de edad. En vez de con la silla Barcelona, llena su balcón con macetas alargadas tapadas de begonias amarillas. Tal vez a alguien a quien él haya querido mucho le gustaran las begonias. Tal vez a él le gusten las begonias.
La ventana no me interesa más. Mucho menos las begonias del vecino.
Traducción de Mayte Gorrostorrazo.